A Astronauta
Eu sou a Marta e tenho um problema - dizia a Marta enfiando-se a fundo pela cadeira do consultório. Ninguém acredita em mim e só me dão conselhos estúpidos, mas eu sei o que quero e eu quero ser astronauta. Eu sei que aquilo que eu quero eu consigo, não me pergunte- eu simplesmente sei no meu íntimo. A terapeuta questiona para compreender a trama do pensamento e do sentimento de Marta e dos seus interlocutores, a história daquilo tudo e mais alguma coisa. E Marta prossegue: o meu pai é o único que me ouve, mas aconselha-me a desistir. A minha madrasta já se cansou de me dizer que é muito difícil, que em Portugal não se formam astronautas, que por ser mulher ainda vai ser pior. Agora não falamos mais uma com a outra, para não nos zangarmos. Tenho saudades da minha mãe. Ela morreu com cancro há dois anos atrás - e dito isto enfia-se uns centímetros mais para o fundo da cadeira deixando o vestido erecto subir pelo corpinho magro. Marta apruma-se com um vestido demodé de fazenda verde seco e tem um corte de cabelo de tamanho médio, cabeleira escorrida de brilho negro, franja direita- a sua expressão é como dois ribeiros paralelos: o que diz é pleno de segurança com tons de uma certa rebelião de injustiçada; a expressão da face tende para o cinzento neutro onde se encovam os olhos que deliberam um pavor solene. Forte e fraca na mesma música do ser. Como pode? Estará em risco de algo pior? E prossegue: o meu pai, gosta de mim, mas dá-se bem com todas nós. Eu tenho uma irmã bebé e a madrasta. Gosto de viver na nossa casa. É uma vivenda. Mas quero despachar-me nos estudos para nos Estados Unidos formar-me para ser astronauta. É o que quero e o que vou ser. Escusa-me de me dizer o que já sei. Não sou boa a ciências, nem a matemática, mas sei que posso melhorar. Dito isto humideceu-se o olhar e desprendeu-se uma lágrima comprida onde todo o ser enfezado de Marta gostaria de se diluir, evaporar e subir ao espaço, pois não se sentia pertencer a este mundo- a pequena astronauta!