As roupas informais aconchegam-se-lhe à pele mumificada enquanto passeia no jardim contíguo ao palacete de Verão acompanhado pelo rumor imaginário das vestes de Leila, volúvel como a sombra à direção incerta da brisa, permeável ao contorno das ervas e árvores junto ao canal. É interrompido pela alegria vivaz de Ramuk que salta até ao peito e o esmaga até uma dor abrupta se avivar. Sente os olhos humidecerem de gratidão pela clareza da sensação que contraria a tendência confusa e lúgubre do remorso que se vem escavando sob os seus pés, como uma invasão assassina em conjuração nas bases da sua existência. Pode por momentos sentir o aroma acre e forte da vegetação junto ao canal pleno de vida, combinado com os lampejos incendiários da superfície estrelada de insectos em intenso labor. Suspira abrindo os pulmões. Captura de catadupa o piar chamativo das fêmeas do urubu, as cores ocre-pastel do orlado deserto quase adivinhadas no horizonte errático, vencidas por aromas de café e xerez. Toques fugazes de essência que só a memória pode apurar como um vinho delicado aberto após demorada maturação pelo seu autor... Leila!...
Madressilva
As copas dos pinheiros mansos recortam ondas no céu pálido, ao anoitecer. Contêm, num manto espesso, todo o palrear dos últimos pássaros. Os ninhos estão prontos. A gata da rua clama por vida nova. Tudo se apronta e eu lanço o fio do olhar à madressilva. Procuro, fixando a vista, os recantos onde escondia saquinhos de dor. Em tempos, salpiquei a planta com miradas sofridas por dó de mim. Ainda não a limpei. Ainda lá poisa a memória e reencontro os alçapões. Porém, o olhar já se distende pelo ondular dos pinheiros, acompanha a imensidão da noite que se acomoda nas copas, mansas e idosas, donas da contenda do dia, plenas de presente e prenhes de primavera. Tanto! E eu deixo para outro dia o trabalho de desempacotar as dores antigas. Aspiro o aroma forte da madressilva. Suspiro. Aguardo. A noite deita-se no pinhal. Já não ouço os pássaros, nem a gata. Agora, um mocho ao longe; o repuxar do travão de mão. Deixo-me estar! Ou ir! Uma azáfama, quase imperceptível, por certo de contentamento f...