Quarteto

Deslizamos pela Corniche até ao porto. Tu aprecias o castanho-bronze da paisagem e as sombras nacaradas no solo pérola. Deixámos para trás a poeira a incendiar o céu em congeminação com o sol; os túmulos de profeta projetados nas dunas em revolução. Sorriste quando te olhei de soslaio e suspiraste pela memória do dia que passámos junto às grandes brechas do lago antigo, os charcos celestiais onde vagueiam as núvens e o azul-lilás tinge o verde Rembrant e os tons de zinco a palpitar nos afazeres dos patos; a humidade quente, o marulhar dos aromas misteriosos, os segredos dos insetos, a profundidade do espaço povoada por sons a todas as distâncias até adentro da pele, na zona do afeto. A noite começa a cair. Os revérberes acendem o teu perfil compassadamente. O olhar foca-se no ponto de luz diáfana que dobra o cabo e desliza sagaz no veio de espuma que brilha ao luar. Só depois chega, nostálgico, o som grave do apito, se refugia no carro e desiste de prosseguir. Somos visitados por fragmentos do jazz insinuado pelos bares da marginal, leve e sincopado, em sintonia com o motor do carro, que acabamos de perceber, trazendo-nos para o real, como se nele não estivessemos nas últimas horas. O porto cresce ao nosso redor, pululado de pirilampos à flor da liquidez densa do mar. Na amurada, um exército de gaivotas vigilante. Os seus gritos a coberto da noite vertem num queixume que se adoça ao desfalecer numa tonalidade quase melodiosa. Com graciosidade infantil apontas a lua a escalar os minaretes para o lado sul em quadros intermitentes permitidos pela deslocação na avenida; concorre com a impregnação dos aromas de carmodoma, mirra, azeite e canela e lança uma aura de desejo urgente. Saciamo-nos na esplanada do café Rimbont, amornados pela brisa que conforta os contornos do rosto no passar lento do tempo. Não temos pressa. A algaraviada cruzada de linguarejares do mundo é o nosso entorno cosmopolita. Sorrimos, cúmplices!

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