Suse - In Intermundos
Viu-a desde a esquina: a sua cabeleira fulva com pequenas labaredas a desprenderem-se de uma auréola, em espirais. Era uma deusa para ele! Estremeceu por toda a raiz axial do corpo, sentiu a ascensão pelas chacras, um sabor acre a depositar-se na boca, a garganta urgiu pela saliva, a respiração adensou...antecipou-a como um relâmpago dispõe do trovão - Suse! Ela, imóvel, olhava-o pelo canto do olho - o rosto opunha-se retorcendo-se no sentido oposto. Ele avançava felino com o passo certo em ritmo uniforme, ligeiramente acelerado...já lhe lia os lábios em flor, entreabertos ao espanto e às memórias, o olhar pleno de especiarias, a valsa que se avizinhava aos corpos, os beijos fustigados de vento em rimas e ritmos pejados de químicos de amar, e o desenho em esboço do sorriso puro, os fios do entreolhar dele e dela a apegar sem liberdade; ouve o bafo rítmico e sente o marejar ondulante do sangue quente nas veias e atira-se-lhe para a curva do colo; descai a cabeça sob o peso da saudade a matar e borboleta-a com os lábios doces de humidade quente e ela cede as pálpebras e estremece. Logo se agarram sôfregos e correm para onde ela dirige, abraçados, amarrados ao destino, e no lodge dela assim se transcendem...e se espantam e replicam centenas de beijos e se descaem ao torpor e se banham na vasilha império inglês com pétalas de rosas secas e sais perfumados e se intoxicam em incensos e comem biscoitos, riem e choram, e se confessam. Ela tinha uma namorada, coisa séria, agora fora um matar de saudades. Ele queria ficar na vida dela, mas era tarde. Desfizeram os últimos nós e ele saiu cabisbaixo a tropeçar no capacho da entrada, de tez cinzenta e olhar vazado, os caracóis retorcidos e a voz embargada, a tossicar. Fez o percurso turístico ali mesmo por Lhasa, em manada, andou como um zombi, ouviu nada, sumiu deste mundo pelo vórtice da dor desamparada da impossibilidade. Ainda cheirava a manhãs submersas quando o real lhe trouxe o João e a perspetiva do regresso a Katmandu.