Mulheres Malmequer

Caminhava cambaleante, estrada afora, arrastando-se perigosamente rente à sombra esguia do seu corpo no muro da casa de repouso dos inválidos, assaltado por lembranças em flashes dos últimos anos de vida.. mas sobretudo "dela" e também de um coro de fêmeas de importância menor na sua vida. Concorriam com a figura familiar, de sorriso nutritivo, da ex-mulher, mãe de sua filha e dele próprio, de certa maneira... Intercalava estes pensamentos com os planos de sedução para o encontro ao qual se afoitava. Nunca a viu, mas falou possessivamente com ela, durante toda a semana anterior, ao telefone, após o encontro no site - fixava-se na sua voz, quente e doce. Precisava urgentemente de um paliativo de amor... de um cordão umbilical....

Regressara há umas semanas do Brasil. Não conseguia ainda enquadrar o que lhe acontecera, num discurso lógico. Exercitara-se com as pretendentes no site, mas cansara-se de estar sempre a repetir o mesmo. O que pensariam dele?! Que era um frouxo?! Um idiota ludibriado por uma brasileira?! Ainda por cima: o clichê! Tinha sempre de se explicar: a sua vida de sucesso, uma família espetacular, uma esposa cinco estrelas, a garota que apenas dera algum trabalho na adolescência, quando resolvera fugir de casa e baldar-se às aulas; a sua carreira fulgurante na empresa japonesa onde era agraciado com mulheres de luxo e viagens, como  prémios de produtividade...por esse mundo fora...e depois do divórcio, o mulheraço que era a relações públicas de uma grande empresa do Estado - "que aparecia na TV quando havia greve e resolvia os conflitos nas negociações"; que festas aonde ela o levava, a classe social dos convivas, os carros de gama alta - o seu não ficava atrás, vivia muito bem na altura! Depois apaixonara-se pela manicure, mais nova, fresca, brasileira. Relacionaram-se anos. Foi-lhe fiel. Ela quis casar - não era do interesse dele, mas ela tanto insistiu... Levou-a em inúmeras viagens. Acolheu-a em sua casa. Passaram-se seis anos e ela ficou com saudades dos filhos no Brasil; ele reformou-se antecipadamente - uma doença nos olhos quase o cegava...Aceitou. Contrariado!

Foram para a terra dela. Remodelaram a casa, montaram um salão de estética, aonde ela trabalhava. Não fazia contactos fora da família dela e os filhos adultos já estavam orientados - um deles, pouco! A necessidade de lhes comprar mota, carro, de os ajudar financeiramente...os netos... Ele ia cedendo. Financiando! Contrariado!

Não se animava com nada a não ser quando ela chegava a casa. Era a sua obsessão. Para passar o tempo, fazia umas compras - como os miúdos fazem recados; umas caminhadas naquela cidade do interior, sem interesse turístico, desenhada a esquadro para acolher o bulício em torno da produção de soja e sua comercialização. Passava o resto do tempo a ver televisão. Ela trabalhava no salão e dava-lhe assistência doméstica e sexual. Era tudo! Tão pouco e tão vazio. Ela quis acabar. Foi rente ao Natal. Ele pensou ser "frescura" dela. Quereria alguma coisa... Não era. Sozinho, abandonado por todos os poucos que conhecia naquela terra e que eram contactos dela, transacionou algum dinheiro - o que pôde - e adiantou o divórcio. Deixou-lhe grande parte das economias de uma vida!

Marcou viagem de retorno a Portugal. Tinha cá a casa alugada. Precisou de ser acolhido pela filha. Conheceu o neto, mas não suportava o ruído da criança. Pediu asilo à ex-mulher e ao seu namorado. Estava deprimido. Iria ter que voltar a trabalhar... em vendas....ele era um ótimo vendedor!...

Chegou ao café para o encontro. Era aguardado por uma mulher da idade dele, sem charme especial! Ele estava tão carente! Ficou. Repetiu o encontro mais umas duas vezes. Enviou-lhe depois uma mensagem a explicar que não sentia que fosse ela, "a flor" que procurava...e regressou ao site online.

Ela limitou-se a responder, um mês depois, com a fotografia do ramo de orquídeas, teimosamente viçosas, que ele lhe oferecera no primeiro encontro.



Mensagens populares deste blogue

Madressilva

O Belo

Fragmentos