A classe da professora Efigénia

A classe da professora Efigénia estava bem orientada. As carteiras dispostas em três filas, cada uma com garotas de um nível homogéneo de inteligência, estimado pela professora. A arquitetura da sala era moderna para a época, inaugurada por Marcelo Caetano; o quadro verde; o pátio espaçoso com uma rede ao fundo, onde, para desgosto da diretora, se encostavam algumas barracas. Tirando esse contratempo, a vista era desafogada para o aeroporto de Lisboa, já na sua extremidade, sem ruídos extraordinários.

A professora Efigénia era simpática e pintava quadros que expunha pela escola. Quando eu subia pelas escadas que levavam ao piso da sala de aula, parava sempre um bocadinho para admirar o novelo caprichado de nuvens num céu romântico do tamanho da tela na parede do hall. Aos sábados, a professora dava aulas voluntárias para quem quisesse fazer trabalhos manuais e eu lá estava sempre para fazer ovelhinhas fofas com algodão e outras colagens! Também me metera a fazer malha para nascer um ratinho para o exame da quarta!

A classe era diversificada. Havia a Cristina Bacalhau que era gordinha e de óculos e parecia pouco à vontade dentro do seu corpo, a Filomena que era maria-rapaz e às vezes andava um pouco sujinha; havia meninas com cabelos desgrenhados; havia a Maria de Fátima, sempre bem composta e sorridente; a Maria Armanda que carregava um aparelho metálico a armar a perna e um salto compensatório - era temperamental e impunha respeito com a sua assertividade. A miúda mais feminina era a Maria do Céu, um ano mais velha. Havia as carinhas larocas, as mulherzinhas, as transparentes, as tão tímidas que davam nas vistas, as piolhosas, as rebeldes, as faltistas, as que não lembro e o Armando! sobrinho da D. Efigénia, que tinha direito a partilhar a secretária da tia e a apreciar uma paisagem feminina! A professora assegurava que não houvesse misturas e o Armando não brincava connosco no recreio. Escusado será dizer que por detrás do lado esquerdo do edifício, estavam as criaturas masculinas nos seus afazeres. Ocasionalmente, partilhavam com o universo a alegria dos seus golos vitoriosos.

Depois das aulas, juntavam-nos em grupinhos acompanhados por um familiar que se revezava com outro na semana seguinte. O caminho era uma alegria! Só me lembro dos dias de sol! A malita retangular às costas, de formato universal! Papoilas, estórias, risadas! Era a felicidade!

Um dia, a professora ausentou-se uns bons minutos, após o apelo ao nosso bom comportamento. Logo o Armando trepou pela Armanda acima e acabou estatelado sobre a Maria do Céu, tendo ficado os dois, nariz com nariz, púbis com púbis, embevecidos. A Céu, que já era suspeita de qualquer coisa, ficou, instantaneamente grávida! Foi a consternação total! Está! Não está grávida! Tivemos que esperar algumas semanas para verificar! Sentíamo-nos culpadas por aquele acidente. A professora apanhou-nos ainda em grande alvoroço. O Armando não percebia do que era acusado, pois ninguém se atrevia a ter essas conversas com um rapaz. Ficámos muito preocupadas com a Maria do Céu! E donas de um segredo muito grave! A professora não arrancou de nós informação nenhuma, pelo que resolveu fazer a fila da reguada. A mão ficou dormente, mas nenhuma de nós denunciaria o Armando, a Céu ou sequer a Maria Armanda, que tinha facilitado a queda fatal!

No exame, ficaram com o meu ratinho, porque era bonito! Fiquei muito triste, mas o que poderia dizer a quem me iria avaliar?! Saiu um "bom com distinção".

As mães vibravam com as notas! A ver quem tinha filhos mais virtuosos. Não me lembro das mães dos outros, das filas dos burros. De qualquer modo a D. Efigénia recebia regularmente umas prendas dos pais. Adivinhem quais?! Ah! Ah! Ah! Não conto!

A professora Efigénia pouco me ensinou, que em casa iam sempre à frente! Não fora as artes e a simpatia da professora e teria sido uma grande seca!

Como era protegida e tudo estava bem, não me tornei suficientemente autónoma para o ciclo preparatório. Mas isso é para o episódio seguinte!

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