A Professora Malvada!
A professora Virgínia tinha apenas 18 anos e era daquelas amadoras colocadas pelas terras recônditas de Portugal para ensinar o povo a ler, escrever e contar; adorar o poder instalado; conservar os bons costumes; ser humilde e continuador do papel de género.
A professora tinha direito a uma casa do Estado e, com sorte, a um marido de "boas famílias", com terras, na aldeia!
Claro que eu, com seis anos, não sabia nada disso. Fui para a terra dos meus pais viver com a avó para poder entrar mais cedo um ano na escola. Pensando bem, não se compreende. Seria por influência social local?!
A verdade é que a sala estava a abarrotar com alunas de todos os anos da primária.
Algumas, como eu, tinham que levar uma tábua para amparar os cadernos e livros e sentávamo-nos em banquinhos individuais. A professora via-se e desejava-se para ensinar todas. Talvez por isso, andasse sempre stressada.
A professora Virgínia não me ensinava praticamente nada: dava-me uma qualquer banda desenhada e mandava copiá-la. O menu da aula compunha-se também de algumas contas e uns ditados, que serviam para descarregar o stress da docente em reguadas assassinas.
Algumas miúdas morriam de medo da professora e faziam um desvio quando a caminho da escola. Descobertas, eram os pais ameaçados, trazendo as garotas presas e forçadas até à porta da sala, sendo que vi algumas fugirem de imediato pela janela.
Uma delas era minha prima e revelou-se mais tarde a melhor aluna em classe. Aliás, foi das poucas que fez curso superior. Quando a Virgínia foi a Fátima trouxe dois fios em pexibeque, um para mim, outro para ela, a Rosa!
Ela ensinava lavores e ginástica. Para esta última atividade, levávamos uma saca de sarapilheira, dos adubos, e estendiamo-la no pátio pequeno da escola onde fazíamos as figuras ensinadas pela professora sob o olhar curioso dos tratoristas e dos lavradores que passavam carregados de feno e ervas para os animais. De vez em quando, o público era um rebanho pasmaceiro ou uma mula apressada e insultada pelo dono! Seja como for, havia odores a feromonas e a pólen e muitos matizes em fragâncias sem nome no meu vocabulário da época e de agora!
A professora torturava-nos todas as tardes com trabalhos de casa, que eram invariavelmente copiar quinhentas vezes cada palavra. Eu fazia as cópias todas letra a letra, seguindo a direção vertical. Era a minha forma de oposição! Não aprendia nada, mas já sabia ler desde os três anos. Que estava ali a fazer?!
As raparigas higienizavam a sala de aula e a casa de banho, que não havia contínuos. Tudo era feito pela professora ou pelas alunas!
Lembro de cenas caricatas, com gritaria e rabos a arrastar pelo chão; a professora a tentar meter grãos de pimenta na boca de alunas malcriadas, dizia. Eu tinha medo dela, embora a mim não me tocasse. Pelo contrário, um dia sentou-me ao seu colo e fez-me carícias no rosto, o que me deixou apavorada.
Um dia a professora precisou de ir a sua casa, logo ali perto e deixou a classe sozinha. Não sei como, talvez por muitas desistências, nessa altura eu já tinha direito a uma carteira, aliás gigante para o meu tamanho. Quando voltou e porque os transeuntes tinham feito delação do ruído, vinha a todo gás para vingar a honra ameaçada. Enfileirou as alunas e - parece que estou a vê-la - ergueu a régua bem atrás da sua cabeça lançando-a ritmadamente sobre as mãos a ferver das criancinhas, que para evitar dores maiores, faziam-lhe algum pré-aquecimento retorcendo-as e esfregando-as! Nesse dia, passei uma grande vergonha! A professora poupou-me, a mim e a mais duas, sem qualquer motivo. Aliás, ela não tinha razão para aquele descalabro! O episódio valeu-lhe fama de "maluca", na aldeia.
Mas havia dias em que a professora sacudia tapetes cantarolando. Dizia o povo que tivera visita do namorado. Assim, à frente das alunas.
Nesse tempo, a infância era de uma outra essência. Creio mesmo que Freud, Piaget ou os Beatles não tinham existência para o povo humilde do Salazar, nem para a professora amadora, que levava o mundo à pancada!
Não se soube porquê, mas não aqueceu lugar na terra, tendo sido substituída no ano posterior. É que havia outros poderes no Lugar!
No ano seguinte fui para Lisboa, para a minha doce professora Efigénia.