Crescer, Crescer, Crescer

A entrada no ciclo preparatório foi vivida com sentida alegria e curiosidade. Novas amigas, muitos materiais escolares com cheirinho bom! Ainda me lembro de snifar a papelaria da escola. Podem rir-se, mas eu tive paixões sensoriais, como o cheiro do guache, o som do xilofone, o aroma humano do ginásio, da bola de basquete, a textura do barro, e tantas, tantas outras experiências sensoriais.
Porém, nem tudo eram rosas nos primeiros tempos: desorientava-me no edifício da escola, não encontrava as salas, não conseguia perceber o horário, distraía-me nas aulas e chegava a dar respostas obtusas. Fui até censurada por distração e mau comportamento! Além disso, experimentei, pela primeira vez, ter negativa nos testes: logo à estreia, de português e matemática. A matemática parecia-me absurda: contas com letras?! Só poderia ser brincadeira! Não dei importância a parvoíces. Já a português, reparei que a minha nova amiga tinha bons resultados e era uma grande leitora de lazer. Sendo assim, iniciámos uma parceria de longa duração: papei os livros dela..um a um..durante anos! Compensei-a com outras habilidades minhas.
Depois, fiquei sabichona e aos 13 anos comecei a escrever uma espécie de livro de economia?!... Fazia poemas como quem dá aquela palha e tinha cada vez melhores notas. A português não tão rapidamente quanto a matemática onde, depois de percebido que a ridícula era eu, saltei para o Muito Bom!
A escola Gago Coutinho era muito acolhedora. Tinha edifícios prévios, estilo Estado Novo, uns pavilhões complementares e muito espaço para estar ou para fazer desporto. Às segundas feiras passávamos a manhã a fazer desporto, calmamente, na FNAT, hoje estádio Primeiro de Maio. Era uma classe! Fazíamos por lá um piquenique, que nos encantava.
No ciclo preparatório começámos a ter educação física a sério. Nesta fase da minha vida tornei-me muito "corporal". As disciplinas preferidas eram ginástica e desporto, trabalhos manuais, mas também adorava as aulas de desenho e de português, onde a bela professora Bettencourt desenvolvia uma biblioteca de turma! Muito eu li! Quanto encantamento! Resolvi até adotar um pouco da identidade da professora copiando-lhe a letra, que ainda hoje mantenho nalguns retoques d' arabesque. Ah e o Francês?! Sur le Pont Avignon...Robert, Nicole e Patapouf!
Mas eu era apaixonada pela escola em geral: até a professora de moral era um amor e as suas aulas muito relaxantes! A professora de música não podia imaginar a minha adoração pelo xilofone e mais tarde pelo piano - pura libido!
Porém, as ovelhinhas negras eram as ciências e a físico-química... Acompanhem-me a umas aulas, mas atenção que vão passar por cadáveres de répteis em éter e esqueletos humanos: um horror de mau gosto!!!
Em ciências, andávamos de andarilho para cima e para baixo do estrado, a espreitar para dentro de um microscópio. Por mim tudo bem!, não tinha interesse nenhum! Aproveitava para mostrar a minha Mona aos colegas, da qual tinha muito orgulho e que era da aula de trabalhos manuais! A professora apanhou-me, mas na minha inocência não estava a fazer nada de mal! Bem, e de bem também não! Não ouvira as instruções, não desenhava as células no caderno, nem sequer reparava que os outros o faziam!
Outro episódio foi em físico-química. Estava a professora com um balão que pesava vazio e cheio numa balança que tinha à sua frente. Explicou os passos e perguntou qual a conclusão: tinha peso o ar ou não? Aqui a menina, respondeu prontamente que não! A professora olhou-me com ar enfadado e contrariou-me. Achei mesmo parvo que o ar tivesse peso, pois eu sabia bem que não! Porém...algo me fez suspeitar de que, se a professora o dizia, era porque...eu era uma grande burra! A inteligência tinha ficado na primária!
Passei uns tempos difíceis a sair do pensamento concreto. Mas quando ultrapassei essa fase, senti-me poderosa e capaz de enfrentar qualquer matéria, que eu não era de me deixar vencer!
No segundo ano, a turma mudou muito. Cerca de metade, eram jovens de um asilo, que ficava ao pé dos militares no Campo Grande, onde hoje é a Universidade Lusófona, creio.
Aquela gente revolucionou a nossa vida. Eram colegas mais velhas de quinze e até de dezassete anos. Brilhantes no desporto, eram gentis e solidárias! Tinham tido uma vida complexa e não no-lo escondiam. Tornaram-me campeã do Mata, com convite cativo, o que me fazia sentir muito importante. No entanto, deixámos de jogar andebol ou mesmo de fazer educação física, pois a professora, muito jovem, encantara-se com a desenvoltura atlética das moças órfãs, que jogavam mesmo muito bem! Nós, as pequenas, ficávamos eternamente suplentes, o que foi um desgosto!
Naquela altura, havia a moda das bolas saltitonas de borracha transparente. A hora de almoço era passada na caça à bola nos arbustos da vedação! Eu era afortunada e fazia grandes colheitas.
A viagem até à escola fazíamo-la em grupo - pois era extensa -, até apanharmos o autocarro. Passávamos por belas vivendas de Alvalade, que alimentavam os nossos sonhos de grandiosidade.
Uma manhã, no labirinto das vivendas, antes de chegar à escola, caíram papelinhos coloridos do ar que diziam qualquer coisa e LUAR. Logo uma amiga nos instruiu que era proibido ler aqueles papéis e que poderíamos ir presas. Agora que era crescida, já confiava mais quando me diziam irracionalidades. Fiquei perplexa. Nessa altura começámos a falar de outras coisas; as amigas já com maminhas, em segredinhos. Era mais um desafio no fio de contas que era a vida por aqueles dias.
Muito em breve, dar-se-ia o vinte cinco de abril e o mistério dos papelinhos LUAR ficaria desvendado, assim como os segredinhos da menstruação que as mais desenvoltas guardavam até à iniciação uma a uma, das garotinhas do ciclo preparatório!
A minha amiga pensou que me convencia a acompanhá-la para a Escola Comercial, mas não tinha esse poder: eu sabia bem que queria ir para o LICEU!


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