Finalmente Garotos!
Os primeiros anos do Liceu
abril 26, 2021
Quando cheguei ao 3° Ciclo de hoje - que naquele tempo era o primeiro ano do Liceu - , não levava amigos ou conhecidos. Pagava o preço da determinação! Muitas colegas tinham ido para a escola comercial.
Neste novo mundo, tinha a vantagem de conhecer o local, pois mantinha-me em Alvalade.
A turma era um mimo e pela primeira vez tinha garotos.
Eu que já olhava para os de 15 e 18 anos, achei-os uns eunucos. Mas logo me conquistaram com a sua imensa gentileza! Nunca vi um grupo assim de rapazinhos: eram uns cavalheiros, uns gentleman. Ainda me lembro dos seus modos delicados, da sua voz, em tom baixo, - excelentes verbalizadores - que não nos atacavam com força bruta nas aulas mistas de educação física. Adorei a experiência! Éramos fifty-fifty em número de meninas e meninos.
A professora de Inglês teve a triste ideia de falar só em estrangeiro, logo no nosso primeiro ano. Que angústia! Em compensação arranjou-nos a cada um um nick name que adorámos ter. Bem visto! Numa altura em que gostamos de explorar identidades.
Pouco me lembro dos professores, que não eram carismáticos. Apenas a de Moral era muito à frente e deu-nos umas aulas de educação sexual deveras interessantes, comigo muito espantada a ouvir que era normal apaixonar-me por homens mais velhos, atores de cinema e afins. Ela até usava audiovisuais, coisa que mais nenhum professor fazia! Além disso, era simpática e também ensinava piano a quem quisesse, fora do currículo. Lá estava eu!
Por essa altura, andava a pensar no Art Sullivan, ou melhor, num jovem francês que vira nas férias e que tocava num grupo rock mais ou menos informal. Humm! Partilhava com uma colega estas paixonetas, quando ela me revelou que bom mesmo era o Gianni Morandi, que eu não conhecia e nessa altura não havia Internet...
E a vida corria assim, sem o desporto do ciclo preparatório, apenas debicação comunicacional com os estranhos seres - meninos de coro - por quem nutria um respeito admirativo. Hoje, talvez embirasse com os sapatos de vela e os exageros de compostura, mas naquele momento eles eram os miúdos mais bem comportados que eu conhecia! E gostava deles. Aliás ainda gosto, ao recordar. Ao contrário das miúdas, que se dispersavam por outros bairros, os meninos eram um concentrado de Alvalade, mais propriamente da Avenida do Rio de Janeiro, da Avenida de Roma e da Avenida dos Estados Unidos da América.
E foi só isto! Um ano quase sem história.
No segundo ano, a turma foi completamente alterada. O ruído, o assédio para faltar às aulas e as experiências com tabaco e drogas leves, caracterizavam o ambiente. Um rapaz de nome Tarracha fazia-nos do Inferno o quotidiano. Não parava calado ou quieto, sempre a desviar a atenção e a provocar os professores. Era um cansaço. Lá resisti às tardes no Vavá e na Sinfonia. Perdi uma amiga e ela perdeu o ano. Foi para esquecer! Era a fase das RGAs, das lutas da UEC com o MRPP, dos assaltos de gente do Padre Antonio Vieira, por vezes com matracas. A elite no átrio, com a sua atitude de converter em transparente quem não pertencesse às avenidas, ou vestisse à beto!
Andávamos literalmente pelas franjas da escola, que agora estava desorganizada. O piano foi tirado para a rua e violado. A cada tecla solta chorava a minha alma, que o amava!
Alguns rapazes eram gigantes, tinham corpo de homem, podendo ser muito musculados. Era um pavor o encontro com eles no ginásio, pela violência dos arremessos de bolas e dos nós de cordas gigantes penduradas no teto. Refugiávamo-nos em ginásios secundários ou na dança jazz.
No terceiro ano, tínhamos alguns professores totós. Uma vestia roupa descosida, presa com alfinetes de dama. Mal nos conheciam. E continuava a mania das aulas só em inglês! Tive que criar uma parceria com o João Miguel, que era gentil e além disso era giro, de olho azul e tinha a mãe professora de inglês, para me ir fazendo a tradução simultânea, o que valeu a pena pois as notas subiram de imediato. No entanto, fomos apanhados a falar e postos fora da sala. Expliquei, mas a professora não acreditou; pedi para sair só eu, ingloriamente! A partir de aí só voltei a conversar com o João Miguel quando nos encontrámos, por acaso, já adultos. O encontro não correu bem, com ele displicente, a levar-me à loja de pins que frequentava no secundário "quando era nazi"! Esqueçam!
Um professor, que era padre, punha as notas a leilão. Os alunos berravam: mais! mais!; ou então aceitavam e era assim que ele dava as classificações. Parecia que estavam todos a enlouquecer!
No terceiro ano, quando me perguntaram o que iria escolher quando fosse grande, disse: psiquiatra. A professora informou-me que era uma área de medicina e que provavelmente o que eu queria, era psicologia. Talvez fosse, mas eu adorava artes, só que não queria arquitetura e o pai esclareceu-me que o curso de pintura, não tirava. Sendo assim, fui para ciências.
O meu grupo só tinha meninas, sem que nos identificássemos muito umas com as outras, mas mais por exclusão de partes, ou melhor, nós éramos a parte excluída.
O clima era agreste e só a Lena Wahnon nos salvava deste ambiente hostil. Ela não se identificava com betos e falava crioulo em casa. Vivera em Cabo Verde e descendia de judeus, que fugiram a Hitler. Era um amor e eu fiz-lhe um retrato a carvão, que realçava os seus belos olhos de amêndoas doces!
E o ciclo acabou assim, num ambiente de má revolução, betos e matracas!
abril 26, 2021
Quando cheguei ao 3° Ciclo de hoje - que naquele tempo era o primeiro ano do Liceu - , não levava amigos ou conhecidos. Pagava o preço da determinação! Muitas colegas tinham ido para a escola comercial.
Neste novo mundo, tinha a vantagem de conhecer o local, pois mantinha-me em Alvalade.
A turma era um mimo e pela primeira vez tinha garotos.
Eu que já olhava para os de 15 e 18 anos, achei-os uns eunucos. Mas logo me conquistaram com a sua imensa gentileza! Nunca vi um grupo assim de rapazinhos: eram uns cavalheiros, uns gentleman. Ainda me lembro dos seus modos delicados, da sua voz, em tom baixo, - excelentes verbalizadores - que não nos atacavam com força bruta nas aulas mistas de educação física. Adorei a experiência! Éramos fifty-fifty em número de meninas e meninos.
A professora de Inglês teve a triste ideia de falar só em estrangeiro, logo no nosso primeiro ano. Que angústia! Em compensação arranjou-nos a cada um um nick name que adorámos ter. Bem visto! Numa altura em que gostamos de explorar identidades.
Pouco me lembro dos professores, que não eram carismáticos. Apenas a de Moral era muito à frente e deu-nos umas aulas de educação sexual deveras interessantes, comigo muito espantada a ouvir que era normal apaixonar-me por homens mais velhos, atores de cinema e afins. Ela até usava audiovisuais, coisa que mais nenhum professor fazia! Além disso, era simpática e também ensinava piano a quem quisesse, fora do currículo. Lá estava eu!
Por essa altura, andava a pensar no Art Sullivan, ou melhor, num jovem francês que vira nas férias e que tocava num grupo rock mais ou menos informal. Humm! Partilhava com uma colega estas paixonetas, quando ela me revelou que bom mesmo era o Gianni Morandi, que eu não conhecia e nessa altura não havia Internet...
E a vida corria assim, sem o desporto do ciclo preparatório, apenas debicação comunicacional com os estranhos seres - meninos de coro - por quem nutria um respeito admirativo. Hoje, talvez embirasse com os sapatos de vela e os exageros de compostura, mas naquele momento eles eram os miúdos mais bem comportados que eu conhecia! E gostava deles. Aliás ainda gosto, ao recordar. Ao contrário das miúdas, que se dispersavam por outros bairros, os meninos eram um concentrado de Alvalade, mais propriamente da Avenida do Rio de Janeiro, da Avenida de Roma e da Avenida dos Estados Unidos da América.
E foi só isto! Um ano quase sem história.
No segundo ano, a turma foi completamente alterada. O ruído, o assédio para faltar às aulas e as experiências com tabaco e drogas leves, caracterizavam o ambiente. Um rapaz de nome Tarracha fazia-nos do Inferno o quotidiano. Não parava calado ou quieto, sempre a desviar a atenção e a provocar os professores. Era um cansaço. Lá resisti às tardes no Vavá e na Sinfonia. Perdi uma amiga e ela perdeu o ano. Foi para esquecer! Era a fase das RGAs, das lutas da UEC com o MRPP, dos assaltos de gente do Padre Antonio Vieira, por vezes com matracas. A elite no átrio, com a sua atitude de converter em transparente quem não pertencesse às avenidas, ou vestisse à beto!
Andávamos literalmente pelas franjas da escola, que agora estava desorganizada. O piano foi tirado para a rua e violado. A cada tecla solta chorava a minha alma, que o amava!
Alguns rapazes eram gigantes, tinham corpo de homem, podendo ser muito musculados. Era um pavor o encontro com eles no ginásio, pela violência dos arremessos de bolas e dos nós de cordas gigantes penduradas no teto. Refugiávamo-nos em ginásios secundários ou na dança jazz.
No terceiro ano, tínhamos alguns professores totós. Uma vestia roupa descosida, presa com alfinetes de dama. Mal nos conheciam. E continuava a mania das aulas só em inglês! Tive que criar uma parceria com o João Miguel, que era gentil e além disso era giro, de olho azul e tinha a mãe professora de inglês, para me ir fazendo a tradução simultânea, o que valeu a pena pois as notas subiram de imediato. No entanto, fomos apanhados a falar e postos fora da sala. Expliquei, mas a professora não acreditou; pedi para sair só eu, ingloriamente! A partir de aí só voltei a conversar com o João Miguel quando nos encontrámos, por acaso, já adultos. O encontro não correu bem, com ele displicente, a levar-me à loja de pins que frequentava no secundário "quando era nazi"! Esqueçam!
Um professor, que era padre, punha as notas a leilão. Os alunos berravam: mais! mais!; ou então aceitavam e era assim que ele dava as classificações. Parecia que estavam todos a enlouquecer!
No terceiro ano, quando me perguntaram o que iria escolher quando fosse grande, disse: psiquiatra. A professora informou-me que era uma área de medicina e que provavelmente o que eu queria, era psicologia. Talvez fosse, mas eu adorava artes, só que não queria arquitetura e o pai esclareceu-me que o curso de pintura, não tirava. Sendo assim, fui para ciências.
O meu grupo só tinha meninas, sem que nos identificássemos muito umas com as outras, mas mais por exclusão de partes, ou melhor, nós éramos a parte excluída.
O clima era agreste e só a Lena Wahnon nos salvava deste ambiente hostil. Ela não se identificava com betos e falava crioulo em casa. Vivera em Cabo Verde e descendia de judeus, que fugiram a Hitler. Era um amor e eu fiz-lhe um retrato a carvão, que realçava os seus belos olhos de amêndoas doces!
E o ciclo acabou assim, num ambiente de má revolução, betos e matracas!