No Limbo

Andava na primária quando ventos ciclónicos passaram por Portugal. Caíram árvores e eu não fui à escola - talvez por isso, dirigi-me à casa de uma colega que vivia por perto, para ir buscar material escolar. Na ida, o vento tornava a respiração difícil. Depois de já despachada, constatei que não podia regressar. Insisti, mas o vento não cedia. Intimidada, voltei à casa da colega, talvez para ganhar tempo, ou à espera de uma proteção maternal, mas encontrei-me de novo abandonada à prepotência da natureza. A Grande Mãe, mostrava a sua outra face!

A minha disputa com o vento estava no empate e comecei a ficar sem forças. Escondi-me por detrás de uma escadaria e recuperei coragem para o combate. Surpreendida com a repentina solidão - não se via ninguém na rua, não se ouvia nada para além do silvo do vento nos ouvidos -, todo o corpo esmagado, o equilíbrio periclitante: fiquei verdadeiramente assustada! Experimentei diversas posições e até rastejar, mas nada!

Naquele momento, que foi vivido como uma eternidade, passou-me muita coisa pela cabeça. Poderia ter sorte e depois rir-me do assunto, mas também poderia perder a batalha e ser lançada contra o portão atrás de mim, ou mesmo ir pelos ares!.. Durante algum tempo observei aquela emoção tão humana de impotência face à natureza, a exposição à força extrema, a palpação da própria morte: o seu prólogo, os capítulos do enredo impiedoso, até à inominável fusão final.

Uma criança de oito anos conhece bem a morte e os enlaces da capitulação!

Por outro lado, desafiei-me a pensar, participando do orgulho humano ancestral! Como poderia fazer para ser eu a ganhar ao elemento?! Experimentei com intenção diminuir a superfície de contacto e pus-me de lado, apontando a cabeça à direção do vento, de modo a simular um fuso. Consegui! Senti-me verdadeiramente competente, embora sem público para partilhar a glória. Quando em casa contei a minha aventura, penso que não compreenderam!
 
Estivera sozinha, e assim continuava, sem qualquer capacidade para me fazer entender! Foi uma experiência de solidão profunda, antevisão da morte sem glória. Vivências radicais destas encapsulam dentro de nós e são como quistos que, em condições adversas, podem disparar como cancros psicológicos, desorganizando-nos! São como dores de nascimento ou metamorfoses: não sei se à borboleta dói o casulo, ou se ao casulo dói a lagarta, mas são transformações (quase) impartilháveis.

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