A Amiga Fotógrafa
Ela pega a natureza distraída e rouba a memória de um beijo rápido e púbere: à gaivota pensativa, que em tempo breve antecipa o voo na balaustrada da margem do rio; ao céu explosivo do fim de tarde a quem não importa o amontoado branquinho das casas chãs, que aos poucos desalumia; às nuvens cúmplices, convertidas já em vaidosas de tanta atenção, que se desdobram em ficções e gestos dramáticos. Por vezes apanha mesmo Turner, de soslaio, esboroando a pinceladas amarelas os vermelhos que lhes fogem apressados!
Há dias em que guarda as águas do rio a escorrerem sobre espelhos, ensonadas - dirigem-se ao mar relutantes como as crianças vão para a cama, contrariadas - é deixá-las adormecer no sofá e levá-las docemente ao colo. Uns e outros são tempos de fazer saudades! Em que mares, nuvens ou viventes, já anda o frescor das águas roubado pela lente?! Ou os filhos, ou os netos?!
Outros dias fixa os detalhes que ninguém vê com olho próprio: uma joaninha, uma carocha, um ligamento dos mosaicos onde a criançada já pulou, estragou calçado e um ou outro joelho e berrou; a mãe, a avó, a tia acudiu, esmagou a carocha e a joaninha avoou!
E as pétalas que ela namora, quem as vê assim tão íntimas?! A câmara do seu olhar, por certo engasta nos estames, corola e outras vernaculidades botânicas! e as folhas de suas nervuras nervosas a fazerem pose para se delas engraçar a lente. "Oh, aquela lente macro, por favor", parecem estar a pedir.
Depois, mesmo que não queira, a mão puxa certeira de mais um shot ao orgasmo desnecessário do sol lúbrico! E ainda espreita o desfalecimento do ardor afunilando-se na horizontal, na zona de frisson entre terra e céu, rente ao prado que adorna as casinhas, agora já em cores de pastel de tanto namoro que sol fez com a cal. A fotógrafa ainda vê se alumiarem, por correspondência, as janelas onde se come sopa quente e se dão familiares risadas e se pratica tudo o que a vida é.
E ela, não sei que faz depois, pois a sua lente descansa de autobiografias. Talvez borde, talvez pinte desenhos de matar tempo, talvez partilhe comigo e outros os seu mimosos olhares plasmados nas fotos!