A Geração Yé-Yé do Painho
A minha prima Maria Júlia Santana, uns bons anos mais velha do que eu, adolescente na altura, garantia-me que "agora a moda é dançar Yé-Yé". E mostrou-me como era: fazia uns gestos circulares com os braços e gingava as pernas. Sorri! Por mim tudo bem! Venha o Yé-Yé, que eu quero ver e aprender - pensei! Era domingo e as garotas tinham marcado encontro na casa da minha prima. Lá foram chegando de fato escolhido, perfume comum e alguma laca ou brilhantina, alvoraçadas e alegres, a falar pelos cotovelos. Combinaram ir buscar ramos de palmeira, já não sei aonde. Ataram as pontas dos mesmos no topo e, uma de cada lado, seguravam os caules. Desataram a cantar e assim fizeram uma marcha pelas ruas da aldeia. Os barretes subiam nos alcoólicos ensonados; os cães ladravam; as mães coladas às filhas - não fossem os rapazes atrevidos e as línguas afiadas, roubar-lhes o corpo ou a alma -, viravam-se surpresas entre o sorriso e o sussurro; quem estava em casa, vinha à janela; os cafés esvaziavam-se de homens a cheirar a tabaco concentrado. Todos queriam ver aquela mocidade cheia de garra!
Depois íamos a casa de uma delas e o assunto ficava mais pesado, por entre um debicar no licor. Algumas eram madrinhas de guerra e havia assuntos complexos, nomeadamente por umas escreverem cartas pelas outras e apaixonarem-se pelo namorado alheio... Parte da conversa era sussurrada para eu não ouvir - eu, a penetra infantil!
Passávamos por uma senhora que fazia bolos especiais, de cuja casa retive o toque aristocrático, que recebia em alegria as garotas. Trocavam-se receitas e provava-se o bolo incomum! Eu saboreava as nozes que tinham sobrado! Huam!
Depois, ligava-se o rádio a pilhas - que não havia eletricidade - em algum terraço e toca de ensaiar o Yé-Yé! Era a juventude resiliente contra os dias de aflição e espera, das cartas zebradas a azul e vermelho, as missivas de avião, vindas da guerra, e das listradas a negro... tudo sob o pregão do distribuidor de correio, que não havia carteiro.
E em alguns dias dramáticos, sentavam-se as moças no muro da ti Ermelinda, junto ao cemitério, a ver o aparato militar, a ouvir as assustadoras salvas e os gritos das mães, da única e das por solidariedade.
As noites dos dias comuns, eram passadas em convívio de família alargada, a ouvir na rádio as mensagens dos militares na guerra de África e as suas canções pedidas. Essas não eram noites de Yé-Yé!