Conhece o seu Novo Vizinho?

O Sr. que vive no primeiro esquerdo, mudou-se no ano passado para a vila. Parece pacóvio. As perninhas bambas a dançar numas bermudas com palmeiras e uma camisa às riscas, combinam definitivamente mal. Pioram com o boné de beisebol com as cores da Venezuela escondendo a calvície mal assumida, à vez, com um longo penacho de cabelo ralo que o vento depressa desmente! Mas não se pense em descura: mima-se com bons cremes de rosto, faz limpezas de pele, enfim restos de hábitos de uma outra vida!

Vai às compras a pé, avia-se sempre com haveres repetitivos: um frango, tapioca, umas cenouras, ginseng e um pouco mais... Encomendou lençóis na ti Filomena, na loja antiga. Não pode ir aos grandes centros e a casa pouco mais está do que vazia, ainda com caixotes por arrumar das muitas mudanças. 

Não tem carro, faz a sua vida a pé ou apanha barco ou camioneta quando, raramente, lhe apetece um pequeno passeio ou visita o centro religioso do budismo japonês, ali nos centros da capital. A sua casinha é confortável mas modesta,  nos arredores! Mas já lá recebe a sua equipa da religião minoritária, com alguns brasileiros e portugueses. Eles não sabem que o Sr. modesto e solitário, em breve, será o seu líder!

Na farmácia arranjam-lhe medicamentos por baixo do pano, para a amiga da Venezuela. O que não sabem, é que a Sra. depois os vende a preço livre! 

Com voz de mimo e aquele aspeto deplorável, consegue conquistar simpatias, sem esquecer o seu sotaque entre o castelhano o latino-americano, que o torna gentil, quase infantil e cómico!

É um homenzinho de baixa estatura, olhar de raposa, e miscigenação difícil de destrinçar, embora goste de exultar a origem francesa, tanto como os elevados sucessos profissionais, seus e de familiares: as bolsas governamentais para estudar em França, na Suíça, nos Estados Unidos. As suas mestrias e mestrados confundiam quem o ouvia e só no tacho se fazia filtro: é que o caballero de tantas aptidões na cozinha, nem sabia que o cobre é tóxico e não se deve usar nas panelas. Mas nada o afrontava e a arte de ficar na folha do meio entre a verdade e a mentira, cabia-lhe por inteiro e com vénia.

Fora fugitivo político quando a coisa virou no seu país de origem, a Venezuela. Mas até lá, era um gestor de restauração e hotelaria, do máximo sucesso! O dinheiro caia-lhe no prato! Era uma maravilha e o sócio não era de total confiança, o que faria se fosse! Corria muita coca também, e prostituição. O casamento, com aquela que ele próprio selecionara profissionalmente, quando estava a trabalhar em hotelaria, fora um sucesso até acabar: dois filhos bem posicionados na vida; a mulher com um trabalho reconhecido na área da diplomacia! Hoje estão espalhados pelo mundo! Foi depois do divórcio que se perdeu com mulheres da vida e as drogas. Hoje a ex. é professora universitária num país da América do Norte; um filho anda em digressão como alto funcionário para as migrações; outro faz vida familiar convencional, mas com elevado rendimento profissional... E ele, o pai, vivera em Espanha, depois em Portugal e em ilhas e países exóticos nos seus negócios e métiers de gestão pelo mundo fora.

Quando pousara por cá, fizera-o para se acomodar com gentil senhora, papá bem posicionado na faculdade de direito, titio na assembleia da república; ela, mimada com um lugarzinho de secretária, até fazer escandaleira, muito ao seu jeito! Viera até nos jornais confiáveis, mostrava ele, o venezuelano, apesar de tudo, orgulhoso da sua conquista politicamente significativa. Lembra também os jantares com angolanos das famílias do poder, as tentativas femininas de fazerem de si, uma conquista infiel, as senhoras mal casadas! 

A Sra. mimada, para além do grosso ordenado do trabalho com o tio no Estado, ainda fazia umas aldrabices comprando roupa nos armazéns chineses, ali perto do Martim Moniz e revendendo com elevadas mais valias como roupa de marca, assim ligeiramente desviada do percurso comercial normal! Quando foi despedida, resolveram viver juntos, eles, os filhos dela, os gatos e o cão! Porque ele era um gestor de restaurante de sucesso em Lisboa, podia pagar casa em bom sítio da cidade! Mas logo ela o faria mudar de residência por acumulação de dívidas. Setúbal, Coimbra, Estoril, enfim!, por muitos lugares foram passando, preparando negócios, montando empresas que raramente saiam do papel, excepto uma! Depois as dívidas de novo e ele ia recuperar para o estrangeiro nalguma cadeia muito conhecida de hotéis, que inclusivamente fazia lavagem de dinheiro, afirma. Ficava por lá um ano ou dois, sempre desafiando VIPs locais para novos negócios, sempre abortados!

Ao mesmo tempo, mantinha uma rede internacional de contactos que trabalhavam com a finança, bancos suíços; indivíduos próximos de governos africanos; testas-de-ferro brasileiros. Um mundo à parte!

Mas a Mimi traiu-o. Roubou-lhe o dinheiro e partiu. Faleceu de problema de saúde lá longe pela China, em viagem de recreio! Não antes de expulsá-lo da sua vida com uma mão atrás e outra à frente!

Ele foi para o Dubai como chief , recuperou financeiramente e voltou a Portugal! Foi entretanto um acidente de automóvel que o deixou, por acumulação, perturbado com stress pós-traumático. 

Quando procurava nova companheira ficava incerto sobre a relação preferencial dela com estatuto e dinheiro! Às vezes venerava a simplicidade, bem ao jeito da sua religião budista japonesa, outras, procurava quem tomasse conta das domestiquices, outras ainda, regozijava-se com alguma viúva abastada, de peitos postiços e mais que não digo. Conhecera centenas de mulheres! 

Tinha um inspetor da judiciária pela beiça, comprometido em negócios ilícitos e coberturas, que "Ai Jesus"! Às vezes, dava-se com as elites. 

A sua vida complexa fazia-lhe confusão. Perguntava a si mesmo porque um homem rico e com família, vivera com uma prostituta? Duvidava da benesse do seu divórcio. Tinha tido uma mulher bonita, interessante, culta e excelente mãe!

Deixara-se deslumbrar pelo dinheiro! Traíra muita gente; mantivera-se fiel a outro tanto! Amava a família, os filhos, os irmãos! Guardava uma ou duas obras do pai, artista e da mãe, sua modelo e musa!

Mas havia um destino: continuava a tentar negócios com a rede semilegal na finança, com os governos africanos, assuntos ligados às minas...

Era tarde demais! Assim ele era, nem buda o mudara ou mudaria! Nem a morte, que esteve tão próxima! Hoje endividou filho e irmã. Amanhã cobrirá o compromisso com um novo negócio. É assim, a sua vida!

Tem a certeza que conhece o seu novo vizinho?

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