O Mundo por um Buraco de Alfinete
A nossa casa tinha um corredor finalizado por uma porta que dava para a rua, onde estava encastrada uma caixa de correio. Não era completamente estanque, pelo que passavam uns finos raios de sol ali pela manhãzinha. Como não era muito usada essa parte do corredor ou essa porta, frequentemente eu e o meu irmão e às vezes algum amigo brincávamos nessa zona os nossos "floor games" honrados no livro de H. G. Wells, o autor da Guerra dos Mundos, publicados na transição para o séc xx. Era no chão que brincávamos e como vêem, era altamente!
Um dia reparei que na parede do corredor passavam umas imagens e que não estava apenas a ver raios de sol, mas literalmente o bulício da rua. Assim que pude, combinei com o meu irmão ele ir movimentar-se na rua, no lado de fora da porta, para testar a coisa.
Efetivamente estávamos a assistir a cinema em direto, só que a imagem estava invertida. Fiquei muito perplexa. Partilhei com os outros miúdos, eles acharam pouca piada e esqueceram rapidamente, mas não eu. Senti-me sozinha a apreciar o fenómeno e tive dois sentimentos: um de que não estaria certo estar a espreitar a vida das pessoas sem elas o saberem, e outro, exatamente ao contrário: como era divertido estar no papel de mosca! As surpresas que poderia fazer às minhas amigas, com falsos superpoderes!
Afinal eram três sentimentos! O terceiro era que algo fora do comum estava ali a acontecer e que aquilo provavelmente seria muito significativo: estava a fazer uma descoberta, o que me emocionou num enlevo quase transcendental.
Após essas conjeturas fiquei muito angustiada pois não sabia o que fazer para utilizar aquela descoberta, nem tinha ninguém que percebesse a importância que ela poderia ter.
Os dias e anos passaram entre os estudos, as bonecas e as tramas da vida infantil - tive que guardar no baú a descoberta.
Muito mais tarde, soube que era uma forma de fotografar - a pequena ranhura funcionava como lente -, desde que houvesse um alvo que registasse a imagem!
Fiquei um pouco zangada por à minha volta ninguém me ter esclarecido, mesmo que tivesse sido por ignorância. Afinal, como desconhecer o que um árabe, que viveu há mil anos atrás, já tinha descoberto na sua tenda?!
Há uns anos encontrei um grupo de fotógrafos que usa esta forma primitiva de fotografia sem lente. À câmara usada chama-se estenopeica ou pinhole. Pinhole vem de pin-hole, ou seja buraco de alfinete.
https://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A2mera_pinhole