Jingle Bells com a Bela

A Bela era uma rapariga da Costa da Caparica - a passar férias na aldeia, tal como eu -, de hábitos urbanos e irreverentes. Para ela, tal como para mim, os dias de verão às vezes custavam a passar: o langor, o tédio...Vogávamos pelas ruas, íamos à Naide, à Mena, passávamos pela Guida, ou talvez pela Mila, enfim...mas nesse dia estamos só nós as duas.

A vida era uma aventura com a Bela! Espontânea, impulsiva e destemida, tornava possível, o que nos parecia ficção; era uma rapariga com ideias e cheia de iniciativa para ultrapassar limites, além de uma verdadeira coach motivacional para os cautelosos.

Não éramos amigas chegadas, mas fazíamos uns ajuntamentos e rondas à procura de aderentes a uma qualquer causa em ebulição. Naquele dia, estávamos as duas na casa dela, quando se lembrou de ir aos gelados. A prima vendia-os ali mesmo ao lado, pelo que a compra em si era desinteressante. Para apimentar o trajeto, montou-se num muro entre quintais e foi-me encorajando a segui-la. Confesso que tenho pouca vocação para cabrita e ia a medo a sugerir abortar a passeata entre muros e quintais, ainda por cima porque teria sido muito mais prático fazer o caminho pela estrada.

Depois de penetrarmos o quintal da prima, descemos até ao café, que parecia às moscas. Penso lembrar-me que a Bela deu previamente um grito de cumprimento, que foi apanhado no ar pela prima e prontamente devolvido, a uma distância que a Bela, sempre esperta, considerou de segurança. Mas isso, foi o que depois percebi: até aí nem sabia ao que ia! 

Chegadas ao café, escolhemos o gelado; a Bela passou pelo lado de dentro do balcão, chamou a prima e trouxe-me 25 tostões para mim e outro tanto para ela. Quando a prima chegou, pediu-lhe um perna de pau para cada uma de nós e pagámos com o dinheiro da dona dos gelados. Fiquei confusa e incrédula, mas ela tranquilizou-me dizendo que não havia problema porque a prima gostava dela e não se importava.

De seguida, ficou a matutar enquanto se lambuzava com o gelado. "Já sei!"- Disse. Vamos à igreja. Mas ela estava fechada e então dirigimo-nos para as traseiras. Lá, umas escadas davam para o sino. A Bela achou que poderíamos tentar tocá-lo. Concordei. Seria muito fixe, mas era pesado. Bem, a verdade é que conseguimos e lá ficámos a fazer padrões tão balão, tlão, tlão..era conforme calhava. Ficámos o tempo que nos apeteceu. 

Então a brincadeira foi abortada por gente aos gritos. A aldeia ficou em alvoroço e as pessoas estavam assustadas. Nós achámos um exagero de gente conformista de hábitos rígidos. Porque não, uns jovens tocarem o sino?! Pensámos do alto do nosso egocentrismo juvenil.

Em casa explicaram-me que o sino era um instrumento de comunicação de fogos, mortes, missas...e que as pessoas tinham ficado confusas. Toda uma aldeia e arredores!

Não sabia onde me meter! Tinha sido um dia dedicado ao crime! A minha família foi compreensiva com a questão do sino e até se riram furtivamente. De qualquer modo, não sabiam eles do resto! O que vale é que o crime já prescreveu!

A Bela era uma miúda assim: demais!

Jingle Bells, Jingle Bells, Jingle all the way...

Foi um dia impactante!


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