Mena
A Mena era uns anitos mais nova do que eu e futura herdeira de empresas, bens imobiliários e, quiçá, financeiros também, mas por ora, trabalhava que nem gente grande, num ambiente de construção civil, portanto com rapaziada que ela, de boca bonita e formas sexys, tinha que afugentar com maus modos e voz forte. Era ver a doce Mena a levantar um vozeirão a quem lhe aparecesse ao balcão, pois exceto para os amigos, corria todos pela mesma bitola!
Era uma grande vendedora: se não havia verde esmeralda, aconselhava o grés, que agora é que está na moda e até porque se quiser o verde esmeralda vai ter de esperar sabe-se lá quanto tempo, talvez um ano e o trabalho até nem vai ficar tão bonito!
Sem grande concorrência na zona, pode-se dizer que a Mena foi a decoradora de interiores, paredes e chão, e ainda de complementos e acessórios para cozinhas e casas de banho, de toda a região, de Painho à Boiça, Alguber a Caldas, penso eu!
Sempre que eu entrava numa casa ria-me para dentro a pensar que a escolha dos azulejos tinha sido da prática Mena, com o que havia. E não havia assim tanto por onde escolher!
A Mena, apesar de ter sido criada entre gente máscula e durona, era um doce de garota. Generosa, amiga para a vida! Era muitíssimo esperta e sempre esperei que em adulta fosse para um curso de gestão ou se tornasse empreendedora! Jeito, não lhe faltava!
Tinha uma vida presa, pois não podia abandonar a loja e o armazém. Por isso, gostava de receber visitas na mini salinha privada que tinha na loja.
Lembro de me sentir também lá presa, mas na terra, à medida que crescíamos, nós mulheres, éramos cada vez mais confinadas e monitorizadas. Um pavor!
Se comigo era assim o pouco tempo que lá estava, imagina com a Mena, ano após ano, quase num convento! Não admira que se tivesse tentado emancipar.
Lembro a Mena como uma miúda sexy e coquete, especialmente quando de cabelo bem curto, à garçonete - mal sabíamos nós da libertação da mulher nos loucos anos vinte, assim simbolizada no corte de cabelo! Era com ela que eu fugia nas tardes de domingo, à socapa, fazendas acima, até à discoteca de uma vivenda já pertencente a outra aldeia. Nesse tempo, as aldeias eram como Estados, muito bem separadas e os seus habitantes eram como estrangeiros uns para os outros. Bem... Ou quase!
Um dia, íamos nós a esboroar a maquilhagem com o suor da subida, demos de caras com um meu tio avô. Ó elas, que agora é que a vida está feia! O pensamento arquitetou, à velocidade quântica, mil pseudo razões para ali estarmos, pois não íamos aos melões e muito menos o meu tio era parvo, mas ele deu logo a entender que não iria dizer nada. Havia lá tio mais espetacular no Painho e arredores, naquele tempo?! Talvez porque não tinha filhas! Talvez! Mas era mesmo simpático e afastado de fofocas dá e leva e acrescenta um ponto ao conto!
Depois, lá chegávamos à discoteca improvisada, aonde nos comprometíamos com uma ajuda financeira através do Martini Rosso com gelo e rodela de limão... E distribuíamos o tempo entre o gingar na pista - Want you take me to, funky town?... e conversar nuns bancos estofados - uns momentos de convívio malandreco com garotos apetecíveis ou seus amigos e amigas, ou os nossos amigos e amigas e se ia fingindo ser adulto!
As bolas de espelhos rotativas eram um must e os miúdos eram empreendedores e sabiam de eletricidade para montar aquilo tudo!
Eles eram certamente ETs pois, naquele casa, nem sombra de crítica com as raparigas, como se os anos sessenta já tivessem acontecido! Aahahhah! Na verdade, estávamos no final dos anos setenta, já com a grande influência da música disco, mas para os painhenses isso era muito à frente! O que era de uma calimeríssima injustiça, pois os meus pais namoraram à grande e dançaram música jazz, ao vivo - gente! -, ao vivo, tocada por um grupo espetacular do Painho, que ainda tive o privilégio de ouvir em covers.
Estávamos na ressaca do salazarismo e do Portugal atrasado, e as modernices entravam devagar numa terra que não conhecia os Beatles, nem a geração de maio de 68!
Mas agora reencontrei a Mena e vamos ver o que a quântica vai fazer por nós! Oh! Desculpem qualquer disparate!