O Amigo

Quando era adolescente tinha alguns grupos na aldeia, no verão. Comecei a encontrar-me com alguma frequência com um rapaz um ou dois anos mais novo do que eu num dos cafés centrais da época. Conversávamos já não sei sobre o quê e sentíamos tédio, porque quase nada acontecia naquela terra que preenchesse o nosso desejo de novidades. Lembro-me de partir paus de fósforo compulsivamente, talvez porque ele fumasse, o meu amigo. Se calhar Português Suave, digo a sorrir! Ele era de uma aldeia perto, mas distante o suficiente para se ter de viajar de veículo motorizado. Havia quem o fizesse também de bicicleta, mas era raro, que a mocidade andava cansada! Ele às vezes dava-me boleia para cá e para lá e nunca ninguém me denunciou em casa - parecia um milagre! A situação mostrou-me como a vida dos rapazes era incomparavelmente mais tranquila que a das raparigas e isso era indecente!

Lembro de uma cena caricata. Às tantas da conversa sobre coisa nenhuma ou o quotidiano de um adolescente no Painho nos anos setenta, o rapaz tece-me uma crítica. Tinha reparado que eu ficava muitas vezes calada, não dava opinião nos debates em grupo. Pedi-lhe explicitação da crítica, porque para além de um pouco tímida, não estava a ver-me com falta de opiniões.

Ele explicou: por exemplo, não falas sobre os problemas dos jovens. Aqui é que ele me apanhou! Ora, os problemas dos jovens pus-me eu a pensar com a mão a coçar a cabeça como o macaco!..Era verdade! Tanto, que eu nem estava a ver quais os problemas que ele teria, enquanto jovem! Eu sim, rapariga, tinha problemas do caraças, sempre sob mira, parecia que estava para cometer algum crime! Perdera a naturalidade de movimentos que tivera na infância!

A conversa não foi a lado nenhum porque eu não quis ter uma prosa inútil sobre machismo, até porque ele iria ser diferente com as suas filhas, se viesse a ser pai. Rematei a conversa com qualquer desculpa, mas nunca mais me esqueci.

Claro que o rapaz tinha mais rodagem do que eu e talvez tivesse razão e eu andasse distraída de coisas importantes.

O tempo passou, eu deixei por responder uma carta enigmática com um barquinho sem rumo no mar, e, no meio de tanta dificuldade que era comunicar na altura, a ligação desfez-se até porque, para além da distância, eu andava muito ocupada para ser uma "working class hero'! Ah Lennon, tu é que a sabias toda! E o meu amigo também desconfiava!


Mensagens populares deste blogue

Madressilva

O Belo

Fragmentos