O Jogo das Cartas
Luísa tinha conhecido o rapaz numa festa de aniversário no início do verão. Ficou de olho nele, provocou encontros na rua e no café: bom dia, boa tarde!
Na festa maior da aldeia aperaltou-se. Foi à cidade comprar roupa e sapatos. A irmã, vinda da Bélgica, ensaiou-lhe os penteados.
No dia D foi só esperar por um sinal dele e fizeram par de dança. Dali em diante, para sempre!
No ano seguinte casaram, apesar dela ser ainda menor! Muito jovem: só com dezasseis anos. No dia D mais um ano, exibia Luísa, na festa, o seu casamento.
E foram felizes para sempre, provavelmente.
Agora outra estória, que a primeira foi pequena!
Lurdes conhecera o rapaz há um ano atrás. Como era muito nova, nem sabia o que lhe estava a acontecer. Um dia, depois de estar a conversar com ele, pelos seus treze anos, olhou para o peito, viu o colar que a mãe lhe comprara feito de missanga, bonito, e que simbolizava o que era oficial: era já uma mulherzinha!
Olhou para o colar e no mesmo relance viu o peito já desenvolvido, a mini saia e as pernas à vez, pois estava em pleno caminhar, os pés adornados de sandálias coloridas, também escolhidas pela mãe. Nunca se sentira tão bonita! De repente, apercebeu-se de uma sensação de borboletas no estômago e declarou para si mesma: isto é o amor!
Depois sofreu de amor, de saudades, de pudor, porque afinal era muito nova. Nem um beijo sabia que não sabia dar: um beijo de cinema!
Ele acariciava-lhe as costas, furtivo, quando viam televisão, insinuava-se com indiretas e pedia que ela lhe escrevesse cartas quando partisse, e pediu um beijo que ela não soube dar, e o anel com a letra L do seu nome, que ela não deu, morrendo de vontade de fazê-lo.
E ela deprimiu-se, já longe, na cidade maior, durante meses, que perfizeram quase um ano. Quando regressou, encontrou-o muito mais direto e envolvido: passou-lhe um maço grosso de cartas, que ela escondeu entre o corpo e a cintura da saia e foi lendo em segredo, aos poucos, quando estava sozinha - o que era raro - e releu até lhas devolver, um pouco amassadas, porque não podiam ser vistas pelos pais. Eram cartas de amor! Nunca tinha visto nenhumas até ali. Falavam de estrelas, de como ela era uma para ele, e muitas, muitas palavras que a fizeram estremecer como nunca imaginara e sentir-se em grande delito, porém fatal! Era Ele!
Aproximava-se a festa da aldeia e iriam finalmente poder ficar tão próximos na dança. Receava desmaiar!
Posicionou-se na fila densa de raparigas, mães e algumas crianças. Esperou o sinal e quando ele surgiu, avançou. Ele apertou outra pela cintura e dançou. Houvera confusão. A rapariga, que ela até conhecia, pensara que o convite era para ela. Ele não tivera como negar. Voltou a dar-lhe o sinal, ela avançou, a outra o tomou de novo. E foi assim até ao final do baile, madrugada fora!
Lurdes não entendia! Ao chegar a casa, no primeiro momento em que esteve só, quase se desmanchou, peça por peça e se refundiu num choro como nunca tivera ou viria a ter!
Ele, uns dias depois, chamou-a para um espaço privado, disse-lhe que precisava de tomar uma decisão, mostrou-lhe o anel que usava com a letra L do nome dela e perguntou se ela gostava dele e ela, orgulhosa, disse que não. O rapaz ficou surpreso e repetiu a pergunta; e ela a resposta. Ele acrescentou que conhecera uma pessoa e estava indeciso, confuso!
Ela saiu do trio. A outra moça quando passava por ela sorria escarninha. Lurdes mudava a direção do olhar, mas, infelizmente era já tarde: não lhe previra a maldade!
Não mais se viram, ela e o rapaz, naquelas casas de anteriormente. Agora, só ao acaso, na rua, e ela esquivava-se. Fê-lo saber que andava interessada noutro.
Ele foi para a tropa - era bem mais velho do que ela, e mandava recados, que lhe eram gritados por familiares: o Ernesto mandou-te cumprimentos!
O que se deviam divertir!
Depois, passados poucos anos, os recados continuavam, no diz-que-disse: tinha gostado dela, mas a mãe, a dela, é que não quisera.
O que significava aquilo?! Teria a sua mãe feito alguma abordagem ao rapaz ou à família?! Realmente ela tinha-lhe mostrado o desagrado pela amizade e lembrara-lhe as altas expetativas que todos tinham para si. Aquilo não era vida para ela!
Os golpes vinham assim, aos poucos, sadicamente.
Noutro ano, já ela casara e era adulta jovem, ele abeirou-se, pediu desculpa pelo acontecido e disse-lhe que gostara realmente dela, mas que a família não aceitara, a família dela! Queria saber como ela estava e fazer mais conversa, que Lurdes despachou, quase malcriada!
E pensar que as primeiras cartas eram sobre o amor declarado a Lurdes e as últimas a simplesmente L!
Muitos anos atrás, Lurdes e Luísa, meninas que se conheciam da escola, deram boleia uma à outra; as famílias, melhor dizendo! As duas logo se encantaram uma pela outra, cantaram, riram durante o trajeto, olhando-se obcecadas olhos nos olhos e nunca, nunca mais se esqueceram daquele dia! Nem do dia D, em que estavam lado a lado!
E tudo o que aconteceu nas suas histórias esteve (quase) certo!