O Lavadouro
Ai que saudade me deu quando há uns anos ouvi um trabalho de recolha sonora da água dos lavadouros antigos. Porquê este sentimento?!
No Painho conheci três lavadouros públicos e um privado.
Havia um ao pé da igreja que foi o que mais me marcou. O lavadouro era um santuário do feminino. As mulheres organizavam-se de algum modo para se distribuírem pelos dias, pelas horas e ainda pelas pedras de esfregar a roupa e respetivo poiso de alguidar. Os alguidares eram enormes e de zinco, podendo haver mais pequenos, de plástico. Num balde, levavam a parafernália de químicos: sabão azul e branco, sabão Clarim, OMO, Juá ou Presto com glutões, lixívia e anil!
Tiravam a água com um cabaço que era um pau longo enfiado numa espécie de balde - a forma era aproximada à de um cachimbo!
Depois dividiam as peças: algumas ficavam de molho, outras iam corar ao sol para desencardir, ou ficavam logo para a esfrega contra a pedra de lavar ou contra si mesmas num agitar enérgico de mãos e de línguas, que aproveitavam para se desenrolar. Ali se criavam muitas histórias!
A roupa, depois de bem emulsionada nos sabões ou castradas as nódoas sobrantes com lixívia, era sacudida com eficácia, de abanico, até não sobrarem bolinhas de espuma. De seguida, era estendida pelas silvas e arbustos da zona, se a dona ainda tivesse outros afazeres, como torcer pesados lençóis ou colchas com a ajuda de outras mulheres. A não ser que se quisesse ainda anilar uma roupa branca para a tornar mais brilhante e enganar o olhar!
As meninas iam para observar e dar uma mãozinha nas peúgas e lenços.
Havia saberes específicos para uma maior eficácia da limpeza - rituais que as mulheres mais velhas ensinavam às mais jovens, perante o olhar atento das caloiras!
Lembro-me de ter pedido para participar - tinha uns seis anos. Fiquei do lado da estrada. Tive o maior prazer em chapinhar, esfregar, e diluir o sabão em águas cada vez mais claras! As pessoas que passavam nos seus afazeres, elogiavam a minha diligência e eu não podia ficar mais orgulhosa e feliz.
Não sou apreciadora de vida doméstica, nem da vida espartilhada em papéis de género, mas confesso que ali era diferente! Havia solidariedade, informação útil para se crescer mulher, organização coletiva, competência, orgulho e prazer no trabalho. Era ver o ar de felicidade de quem saía do lavadouro a equilibrar um pesado alguidar cheio de roupa para estender!
Ainda algo mais, mas difícil de explicar: era como um santuário do eterno feminino, uma experiência transcendente, um batismo, uma limpeza da alma, uma renovação...
Que pena terem soterrado o lavadouro de que falo, aquando da construção da estrada! Devem ter sido homens a tomar a decisão, ou alguém sem afeto pelo local. As heras, as aromáticas, os pássaros, a melodia da água a fluir, a cair, a pingar, o esplendor da oportunidade da vida...foram-se subitamente.
Se ao menos pudesse fazer-se uma escavação e recuperar o lavadouro?! Ou honrá-lo com a publicação de umas fotos antigas?!...