Raízes e Flores

Fui feita à pressa, porque o meu pai poderia ir para a guerra do ultramar e queria deixar por cá raíz, não fosse não voltar; já o meu irmão foi semeado a meio do sono e assim saiu calmo - e ele sim -, com tranquilidade e sem pressas, vai deixar ao meu pai a desejada continuação de ADN. É caso para reforçar que, se tens pressa, vai devagar!

Mas não sendo eu o veículo da família para o futuro, posso detalhar algumas influências que me tornaram quem sou, para além dos genes, e assim, com alguma esperança, acreditar que poderão também elas ter continuidade nos pimpolhos da família ou noutros com quem me dou.

Com a mãe, aprendi a ser perseverante e dedicada - mesmo contra a corrente -, a ser benevolente e a apreciar a natureza: as plantas e os animais, com amor romântico. Aprendi ainda a arranjar soluções criativas.

Do pai, aprendi a ambição pelo conhecimento, os objetivos de vida, mas também os caprichos que, com empreendedorismo, e alguns atropelos, se consegue tudo! Ou quase!

Da avó de negro, aprendi a conter o movimento e dessa paragem física, retirar a leitura de sinais mundanos. Porque vê mais quem observa do que quem imerge no ruído. Não sei se aprendi tudo sobre a vontade férrea: a avó só tinha podido fazer o segundo ano, mas empreendeu toda a vida uma luta contra o analfabetismo: lia romances, escrevia cartas às amigas e não falhava um noticiário na televisão, ou as "motícias" na rádio, nem a folhinha do Borda D'Água. Não lhe herdei a extrema argúcia nem a capacidade de fazer acontecer, com persuasão...

Da tia Amélia, aprendi a diligência, a animação de levar uma ideia para a frente. A energia concretizadora! E tive oportunidade de me tornar menos tímida convivendo com tanta gente que ela atraía ao seu espaço. Fui também frequentemente desafiada a não ser tão frágil e arriscar mesmo com medo!

Com a tia Emília, aprendi o amor incondicional a um filho e a mimar quem nos visita. Se melhor não faço, foi porque não fui boa aluna!

Com toda a família Lucas, aprendi a dignidade, a honra e a ética.

Com o meu tio Antonio Lourenço, aprendi a desenhar e a apreciar histórias contadas com alegria e bom humor.

Com a madrinha, aprendi a generosidade e a ligação afetiva sem fim.

Com a Maria Júlia, aprendi a tagarelar e a dançar ié-ié.

Com o primo Lucas, aprendi a ter objetivos e a segui-los!

Com o meu irmão, aprendi a ter um clone no coração, e sobre a minha nabice para a música!

Com a Vera e o Paulo, aprendi que as famílias não se devem desunir e que ter primos é das coisas mais divertidas que há, logo a seguir a ter irmãos e antes dos amigos.

Com a Manuela, a Naide, a Mena, a Guida, a Bela, a Mila, o Jorge, e com as colegas órfãs e muitos outros e outras, aprendi a ser adolescente.

Com a Lina, a minha mãe e a tia Eduarda (através da mãe) aprendi costura e lavores.

Com a Naide, aprendi a ser menos ingénua e enfrentar assertivamente as manipulações "mágicas".

Com o meu avô Relhas, aprendi que a história pode ter muitas estórias, mas ele não me convenceu com a vida de Reis, Rainhas e datas, pois eu só gosto de ideias mais gerais e menos detalhes, que não consigo memorizar sem organizar. Aprendi ainda que a poesia se pode fazer e podemos todos ser poetas.

Com a avó Gracinda, aprendi que a linguagem das crianças é a brincadeira e o miminho, e que por aí se instala alguém para sempre na matriz de um futuro adulto. E também que a arte não precisa de muito para existir: um graveto num chão mole, também serve!...

A ti Maria e seu marido, o ti Manel, e ainda o Sr. Amândio, todos meus vizinhos do Painho ou de Lisboa, mostraram como os adultos podem ter uma extrema afabilidade e respeito pelas crianças e que são confiáveis.

Com a Filomena, minha vizinha da aldeia, a Salette e muitos outros miúdos foi possível acreditar em fazer equipa para a brincadeira, em qualquer lugar e com qualquer pessoa.

E eu não consigo acabar de vos enumerar, mas tem de ser. Ficaram tantos de fora!




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