Afinal, Já Era - Criminal Profiling
Ah o cheirinho da primavera, as aromáticas do jardim, a madressilva, os canteiros de mimosas. Preferia assim, a viver no centro da cidade. Havia um preço, em tempo e dinheiro, a pagar, mas não se importava.
- Hola Javier!
E assim começa mais um dia na rua que não é avenida, felizmente, mas dela beneficia em acessibilidades.
- Hoje trago uma bomba, diz o Mota. O caso do suicídio suspeito vai ser aberto... não é esta a bomba!... O homem já está preso por outro assassinato! Ui! Deve ser um psicopata! Mas desta vez fez parceria! E o móbil foi dinheiro, tal como provavelmente para o suicídio!
- Ai Mota! Caramba que nem acredito! É dia 1 de abril! Ahaahhahh!
- Desengana-te! É mesmo verdade. Infelizmente para as vítimas! Desta vez foi em Sintra. Tinha-se mudado para um palacete!
- Ui! Subiu na vida! Deu o golpe do baú com senhora idosa?! (Clara)
- Mais imaginativo! Começou uma relação com mulher latino americana, já com nacionalidade portuguesa há muito, e vários filhos, alguns já independentes. Mas tinha uma mais pequena, resultado de golpe de barriga, como dizem! Já ia para os quarenta, quando conseguiu conhecer e namorar um rapazinho de pouco mais de vinte, muito rico e, claro, engravidou rapidamente. Ainda estiveram juntos uns três anos, mas o homem e a família aperceberam-se. Até porque ela apenas apresentara uma filha, a mais nova na altura e só depois de viver com ele revelou e trouxe os outros dois, já adolescentes.... O homem ficou muito sentido! Depois foi o alarido de que era hospitaleira, com ela a postar fotos na piscina da casa nas redes sociais, e lá eram visitados frequentemente por compatriotas! Tudo pago pela família do jovem, ou seja do homem. Acabaram por se separar, embora ele tenha mantido uma relação muito presente com a menina, em guarda partilhada, pagando extras avultados para manter o estilo de vida da filha, e claro em benefício de todos os outros irmãos e da mãe. Claro que ela, por isso, evitava mostrar as suas relações de namoro. Mas encontrou um ótimo subterfúgio num negócio de produtos alimentares de origem, que a levava a muitas quintas pelo país fora! Viajava, namorava em intimidade e ainda procurava por novo marido com terras, bom nome, ou endinheirado. E tinha jeito para o negócio, apresentando-se com simplicidade, risonha e trabalhadora!
Às tantas, o negócio foi falindo e conheceu este novo namorado, o tal que agora está preso, assim como ela!
Como ele era médico e trabalhava com vacinas, na fase em que se disputava quem é que teria direito em primeiro lugar, ofereceu as doses por ele manipuladas com novas e agressivas variantes, como se fosse um gesto simpático e familiar. Morreram todos, o homem, a mulher e a filha pequena! Assim, a mulher latino americana tornou-se tutora dos bens da filha, que herdou na totalidade. Foram apanhados porque a miúda desconfiou e ficou adoentada pois tinha ouvido uma conversa suspeita entre a mãe e o namorado. Foi assim, mais ou menos!
- Mota, diz Clara, era capaz de escrever uma história para este crime!
- Clara, eu não te percebo, queres ser profiler ou escritora criminal?! (Mota)
- Ambos, diz Clara rindo! Dás-me mais pormenores?!
- Não! Tens que ficcionar!
- Aceito!
.....
E agora se tiverem um bocadinho gostava que ouvissem a história que escrevi sobre o caso, ficcionando-o, é claro!
Mentes Criminosas em Sintra
Dr. Sueli deixa-se encantar com a releitura da sua biblioteca e ainda passa pelo alfarrabista para adquirir mais preciosidades; trabalha em semanas alternadas no laboratório de análises clínicas e está a ficar ansioso por "something we call love".
Brincou aqui e ali nas redes sociais, mas enjoou! Até que surgiu Gorgi. Com os olhos amendoados, como o seduz! Na verdade, é muito parecida, na foto de perfil, com a ex-namorada Ana. Sente uma saudade truncada por esta, mas resiste: não quer ter de lhe dar explicações.
E então investe em Gorgi, que de imediato o encanta com o seu fraseado quente e musical, o autoelogio - que o fazia rir para dentro, e assobiar pela fresta imperfeita entre os dentes. Ela lançou-lhe - ou foi ele a ela?- o desafio imediato para uma aventura amorosa na casa da floresta, lá para o Norte! Era o que estava a precisar: uma fuga astuta ao tédio da pandemia, aos contactos infrutíferos. Esta mulher, ele queria conhecer!, até porque ela era descontraída e animada, e ele não tinha ainda apreciado o mito sexual das brasileiras! Climático seria ainda poder exibir a conquista amorosa para Suse e outras moças, que sabia espreitarem, furtivas, a sua página da rede social.
Tudo aconteceu como no desejo! Foram contando as suas novelas pessoais como estrategas de marketing e depois, já em Lisboa, embutiram a fantasia amorosa nas respetivas realidades quotidianas. Ela era interessante. Ele também, mas repetitivo; frágil o suficiente na sua imensa arrogância! Gorgi percebeu perfeitamente como dar-lhe corda até ao nó!
A pandemia e seus negócios correlativos, alimentavam-lhes a ambição! Pensavam em possibilidades, mas logo os negócios apresentavam uma complexidade burocrática, porque regulados pelo Estado, que os fazia desistir. Queriam dinheiro mais fácil!
Cada um vivia em casa pequena, sem possibilidade de juntar as duas famílias: os dois tinham prole. A separação era até ao jeito de Dr Sueli, mas Gorgi não queria apenas passar bons momentos! Tinha outras necessidades e planos!
De moça sempre a rir, passou subtilmente para mãe revoltada com o pai da mais nova! Rico, casado e com outra filha, não satisfazia Gorgi financeiramente - ela que tentara uma indemnização e usara a sua capacidade estratégica para financiar a sua nova vida. Uma vida desnutrida dos mimos de mulher de empresário de sucesso. Com uma depressão e muita comida, desfigurara-se, e ele cedera à mãe da filha. Não era esta a versão que Gorgi narrava a Sueli nos últimos tempos, insistentemente.
Tinha ainda uns negócios de vendas online, mas não chegava!
Dr. Sueli não era abastado como prometia a gama do carro que os levava para uns passeios clandestinos, furando a pandemia!
Foi numa estada no Vimeiro, cheia de simbolismo familiar para ele, que Gorgi, aproveitando a onda de emoção - ao som rude do mar, amenizado pelos salpicos e borbulhar da espuma-, lhe disse em segredo, palavras muito soltas, mas hipnóticas. Repetiu em cadência o que consubstanciava a mensagem que mudaria as suas vidas, ao momento, rudemente pagas com esforços diários.
Nada mais foi, pudicamente, dito sobre o assunto, naquele dia...mas as mensagens seguintes nas redes sociais, os vídeos escolhidos e enviados entre eles, estavam prenhes de subliminaridades.
E provocaram um salto na sorte, encurtaram com magia o tempo e realizaram os seus sonhos: hoje estão a fazer as mudanças no chalé de Sintra, incrustado numa quinta deliciosamente bela! Um conto de fadas da Baviera!
E nos dias seguintes, para além da substituição progressiva da mobília, mantiveram o mais que puderam a rotina: ela levando a filha à equitação e ao colégio; ele na sua lide de médico, sendo que em breve teria motorista, para aliviar a viagem desgastante. Possivelmente, até deixaria o trabalho no Estado.
Gorgi fez amizade com a mãe da coleguinha da filha, acabada de chegar ao picadeiro, mas com um perfil no FB bem interessante! Seria uma facilitadora de contactos de VIPs para Gorgi e Sueli. A filhota estava deprimida e muda; contratou os serviços de uma psicóloga para a ajudar e uns explicadores. Uma nova amizade vinha a calhar, asseverou!
Foi numa quarta-feira de abril, quando as garotas terminavam as prova de equitação, as mães assistiam embevecidas e Sueli se fizera aparecer, que, repentinamente, a nova amiga mostrou um crachá da polícia judiciária e apertou as algemas nos braços do par de novos ricos de Sintra! Estavam as garotas nos vestiários, tendo sido conduzidas, em estado de ignorância, pelo pai da amiga, que as levou para o "trabalho", "só por um bocadinho". No centro de investigação criminal, as meninas encontraram a psicóloga. Entretiveram-se a jogar nos telemóveis, até a filha de Gorgi ser acompanhada a uma sala de interrogatório com a sua psi.
Quando saíram, a menina foi conduzida por uma assistente social a uma casa de acolhimento até a família do Brasil ou a irmã mais velha a irem buscar.
Há uns meses, a garota tinha ficado por baixo da cama da mãe, querendo brincar às escondidas, mas acabou por ficar espiando curiosa a conversa do casal e ouvira o plano. Na altura, fantasiou que assim se poderia livrar da madrasta, que detestava; pensou que a irmã não seria afetada, pois era pequena, nem o pai por ser super saudável... Depois considerou a ideia como parva, pelo que lhe tinham ensinado na escola e ouvira dizer na televisão: a Covid não afetava as crianças e as pessoas saudáveis podiam ter só uma espécie ver gripe. Porém, uns dias depois da vacina em casa, foram os três internados: estavam infetados com as novas estirpes. Um de cada vez, foram sucumbindo! Não houve funeral!
A menina então perdeu a fala e durante a intervenção terapêutica revelou à psicóloga o que ouvira, mas, aparentemente, sem ligar isso conscientemente com o sucedido, falando com uma espécie de frieza emocional, um "detachment".
Considerando ter a garota em perigo de vida, pois era ela a única herdeira, a psicóloga informou a PJ. Em breve, uma investigadora infiltrada, usando um perfil falso nas redes sociais, construído à medida, mas com datas falsas, se fez "amiga" da família!
- O que acham? Pergunta Clara, um pouco ansiosa.
- Bem gira! Mas um pouco rebuscada! Responde o Rui.
- Olha Clara, não vais pôr a brasileira a usar a técnica do homem no suicídio sugerido - tens que mudar isso. (Octávio)
- E aligeirar um pouco as descrições! Fica pesado, assim! (Pedro)
- Eu não me pronuncio, por enquanto! Foi o combinado! Fico atento! Mas continua!
- Eu estou a começar! Obrigada pelas sugestões. Vou rever o conto! É conto não é?!