Ribeiro de Pensamentos.
Estou a ouvir os passarinhos. É tão bela a sua música, salpicando um espaço de profundidade variável - conversas trocadas numa aleatoriedade organizada. Eu não faço parte, nem público sou, pois eles ignoram a minha existência e admiração. E é tão banal admirar os pássaros na natureza! E incansável!
Porque enjaulam os pássaros?! Primeiro em cidades, com poucas árvores, onde se acumulam os excessos de piares, talvez aflitos com a falta de lar. Aí o Beto da Avenida queixa-se do ruído, não dos carros, mas dos pássaros descamisados e com falta de abrigo. Depois, ou antes, prendem-nos em gaiolas. Eu não imagino o desgosto de um pássaro engaiolado, as suas lamúrias admiradas por gigantes em ignorância de amor universal.
E no entanto, eu que sou rica em pássaros na natureza, sou também quem lhes sente a falta e ressoa o cantar, em calmaria da alma. Falasse eu assim como eles! Recebesse em resposta um eco encantatório dos meus congéneres ou de um amor novo!
As flores e os pássaros existem para encantar e se desdobrarem em idênticos? Uns em silêncio e secretos enredos com insetos e ventos, outros, com melodias de rebordos trinados e ainda pra mais dançam, dançam os pássaros, desafiando o peso e a massa e o cansaço da gravidade, que complicam a vida dos humanos e os levam a esforços equacionados para tentar contornar, vencer e celebrar a sua superioridade: a vitória sobre a (sua) natureza!
Posso imaginar um longínquo tempo, fusional, entre o humano e tudo e todos, sem tempos divididos e espaços apropriados, mas não existiu! Coitado do humano! Era perder ou ganhar! Mas ganhou! E perdeu! Que fazer afinal?! Eu não sei, não quero julgar tanta audácia, morte e trabalho! Tanta organização! Uma mente tão brilhante que se autodesigna de inteligência. E a sua consciência é o último reduto da fúria controladora - ou por ser divina ou por ser quântica, ou ...
Os humanos, servos da sua própria segurança e orgulhosos do seu poder coletivo, aguardam atónitos pelo passo fatal da sua destruição, fantasiando com a metamorfose das lagartas em borboletas: o superhomem, o transumano - mas entre as páginas dos medos e dos pesadelos ou ainda após o festejo tribal das façanhas sobre o corpo e a natureza de fora, experimentam o abismo! A depressão! O mal estar na civilização!
Imaginativos, julgam recordar um tempo de paz entre todos e tudo, deliciam-se com o canto dos pássaros, estejam onde estiverem, e com as flores, especialmente em jardins cuidados!