Sinais

Como não o conhecia, restavam-lhe os sinais. Não lia o que ela escrevia, quase de certeza! Desprezava os sinais que ela própria partilhava. Se nem agora, que queria agradar, se esforçava no campo dela, o que haveria a esperar nos tempos de rotina?! E forçava, como se tivesse que ser como lhe convinha, com convites que a ela lhe pareciam quase agressões. De repente, ela para se afirmar, tinha que dizer não e repeti-lo! Ora não havia necessidade de se chegar a esse desconsolo de ouvir um não, nem ao constrangimento de ter que dizê-lo. Mas era assim, e assim se repetia! Paradoxalmente, a cobertura deste bolo comunicacional era doce e até se compunha de bons ingredientes, embora banais. Mas quem disse que o chocolate vulgar não saberia bem com a cereja no topo?!... O problema não estava aí, no conteúdo do convite, mas no seu entalhe brusco nas conversas ainda em flor! E perigoso lhe parecia a projeção que dela fazia! Tirara-lhe uns bons anos e parecia confiante daquela estimativa; a sua cabecinha fazia ainda contas por alto, rápidas: se vive perto, então...; se está divorciada, deve gostar de se voltar a casar... - como se fosse óbvio e uma necessidade causal! Isso polarizava-a! Se pudesse, deixava uma de si ir experimentar aquele viver; mas logo a outra se nauseava com a memória tão presente do que fora a primeira experiência de casal! Ah, não! Não era necessário repeti-la! Já a conhecia bem! E só de imaginar os fins de semana forçados em acolhimentos ou deslocações de casa a casa. E o que comer? E tenho que ir às compras! E espero ou não espero por ti? E os ciúmes! E a parceria no sofá a papar TV! Oh não! Conquistara a liberdade de espírito, o que para ela significava que o seu corpo, ou o de outros, não lhe ditariam obrigações e rotinas mais do que as que a natureza impõe! Fazer ao jeito do costume, da classe social, do facto de ser mulher...Ah, não! Nunca, mas nunca mais! O vôo foi muito difícil de conquistar. Agora instalara-se! Ainda se ao menos ele fosse mais devagar, subtilmente, tivesse mais questões do que certezas, não a tratasse como uma qualquer, ou mesmo como um avatar, feito à medida da sua necessidade de agora! E se lesse os seus textos era já um sinal de bom começo! Mas não! Que raiva, alguém chegar e se mostrar dono do que lhe é tão caro e estrito: o seu Eu, a sua subjetividade - cheia de rasgões, novelos e distensões, aromas subtis e multicolores,  ruidosos silêncios e vacaturas de amar, congeladas! A sua complexidade, assim exposta em crenças simples e devastadoramente rápidas, da sua existência! Sentia-se triturada em sopa sem nome! De vegetais! Uma qualquer avatar com botões A,B e C, o que lhe bastava a ele para as aflições da vida de solidão e as ameaças do "podes ficar velho e só" da mãe! 

Ela tratada como peça de um puzzle, ou de Lego. Bolas! Ela, com uma vida de autoanálises e tantas grutas e oceanos profundos por desvendar, tratada assim como se fora outra! vista de fora, como uma curiosidade básica pré-formatada! Ela?!!!

Mensagens populares deste blogue

Madressilva

O Belo

Fragmentos