Telma
Telma está rente à única janela que dá para a rua, porque o resto da casa é abraçado por um jardim e pomar - uma conquista que veio com os excelentes ordenados, a venda da casa em Lisboa, e os apoios à parentalidade. Está seminua e sente-se confortável de T-shirt. Revê o termómetro embutido na janela e verifica que estão dez graus lá fora, o mesmo de há meia hora atrás. É outono na Baviera, as crianças estão na escola, o marido a trabalhar e ela de baixa. Olha as duas mãos, brancas e pequenas, sem verniz, unhas rentes mas bem cuidadas. Vai à casa de banho buscar um creme de mãos, cruza o olhar com o dela mesma no espelho e vê-se igual ao dia anterior - na rua, as raras vizinhas, espantam-se com a magreza; perguntam se está doente - "umas coisinhas de nada!", desenrasca num bom alemão. Já cá está há uns bons anos e é inteligente, especialista em sistemas e, sobretudo, muito determinada e persistente. Qual magra?! Saudável! Não perde tempo a explicar que é vegan e cuida de todos os aspetos da sua alimentação, faz leituras profundas sobre o assunto!...e o seu pensamento retornou à casa de banho e os olhos saíram do espelho e pousaram na cama do quarto de casal, onde tinha umas calças de ganga, um casaco quente e uma camisola. Tudo em tons escuros, matizados de cinzento. Vestiu-se!
Ligou o rádio. Comeu a última fatia de bolo de nozes que fez ontem - uma delícia! Apanhou a ovelha de pelúcia do chão e colocou-a na prateleira do quarto das miúdas; com o pé desviou o carro de pedais do rapaz, libertando a passagem...Verificou o desodorizante cheirando o ombro, corrigiu o local do rabo de cavalo repuxando-o mais para cima e saiu sem se esquecer da mochila pequena e da carteira. Saiu a porta de casa e de seguida a do portão do jardim. Ergueu o queixo como se estivesse a ser observada. Não viu ninguém, mas isso nada significava. Ela sabia de outros olhares!
Agora já voltava do rio e ia ao seu destino, dando conta de um aroma intenso e húmido de lodo e lama. Pareceu- lhe ouvir o coachar de uma rã, ou de alguém que dissera olá, mas só uma vez, e não se virou para verificar ou responder e seguiu pelo caminho da mata. Parou no quiosque, pediu um bolo local e um café grande, pagou e prosseguiu viagem a comer e bebericar. Sorriu para os ciclistas com os filhos atrelados, como levava os seus quando mais pequenos. Continuou, determinada. Passou ao pé do lago, aproximou-se e baixou a cabeça para ver os pequenos peixes em azáfama e os fios de ervas a boiar. Viu com detalhe umas bolhas rebentar à superfície e ouviu "Vem". Ela sabia quem lho dizia, do outro lado da margem, a cem metros, no pequeno barco atracado. Avançou um pouco e sentiu as botas a encherem de água, e depois mais um pouco. Estava um gelo, a água, mas decidiu deitar-se para boiar - seria mais fácil! E deitou-se, as botas pesadas ficaram no chão; ela sentia um silêncio bom, imenso, gelado, e ela desejava aquela imensidão...
Ligou o rádio. Comeu a última fatia de bolo de nozes que fez ontem - uma delícia! Apanhou a ovelha de pelúcia do chão e colocou-a na prateleira do quarto das miúdas; com o pé desviou o carro de pedais do rapaz, libertando a passagem...Verificou o desodorizante cheirando o ombro, corrigiu o local do rabo de cavalo repuxando-o mais para cima e saiu sem se esquecer da mochila pequena e da carteira. Saiu a porta de casa e de seguida a do portão do jardim. Ergueu o queixo como se estivesse a ser observada. Não viu ninguém, mas isso nada significava. Ela sabia de outros olhares!
Antes do seu destino, meteu-se por uma pequena vereda que leva ao rio. Viu no verão passado os filhos ali a chapinhar e na outra margem estavam os do casal turco - a menina é colega de escola dos seus. Respondeu ao cumprimento sem interesse, ainda que respondesse, pois eram os dois licenciados. Olhou o rio, o seu fluxo manso, as pedras redondas, os filhos no verão passado, o pai deles a brincar como se fosse outra criança. O que tens Telma?! Vem, é bom estar aqui! Mas não fora! Aproveitou para ir para casa, e ficou a olhar a vidraça, nostálgica!
Agora já voltava do rio e ia ao seu destino, dando conta de um aroma intenso e húmido de lodo e lama. Pareceu- lhe ouvir o coachar de uma rã, ou de alguém que dissera olá, mas só uma vez, e não se virou para verificar ou responder e seguiu pelo caminho da mata. Parou no quiosque, pediu um bolo local e um café grande, pagou e prosseguiu viagem a comer e bebericar. Sorriu para os ciclistas com os filhos atrelados, como levava os seus quando mais pequenos. Continuou, determinada. Passou ao pé do lago, aproximou-se e baixou a cabeça para ver os pequenos peixes em azáfama e os fios de ervas a boiar. Viu com detalhe umas bolhas rebentar à superfície e ouviu "Vem". Ela sabia quem lho dizia, do outro lado da margem, a cem metros, no pequeno barco atracado. Avançou um pouco e sentiu as botas a encherem de água, e depois mais um pouco. Estava um gelo, a água, mas decidiu deitar-se para boiar - seria mais fácil! E deitou-se, as botas pesadas ficaram no chão; ela sentia um silêncio bom, imenso, gelado, e ela desejava aquela imensidão...