Antes do Pai Natal

Antes do pai Natal chegar ao meu conhecimento, só havia o menino Jesus. Era ele que descia pela chaminé do fogão, tão estreitinha - só lá caberia o pequeno menino Jesus do presépio, mais ou menos do tamanho do da Igreja. Muito mais tarde, já eu grandinha, é que apareceu o rechonchudo velhote de barba de algodão e vestes vermelhas, que obviamente nunca iria passar por aquele estreito, só se voasse como o escuro papão, sobre os telhados, e fizesse descer os presentes por uma corda. A verdade é que nessa altura já não importava a mentira contada às crianças, pois elas já sabiam do que se tratava. E aquele senhor nunca foi credível - ninguém era assim tão obeso!

O menino Jesus era então o protagonista do Natal. Muito seletivo, exigia cartas explicativas de uma lista curta e depois caprichava, quase sempre rejeitava os pedidos ou transferia para algo equivalente, na opinião dele, pois eu discordava. Onde já se viu trocar um chorão por uma boneca toda de plástico, até o cabelo?! Como se podem fazer penteados a uma boneca assim e sempre a olhar fixamente, hirta que nem um bacalhau salgado?! Ah eu não podia concordar! E o carrocel mágico do tornicotim tornicotão?! Nicles! Tudo uma fraude! Gostava de me dar prendinhas insignificantes e tendia para os sortidos de meias e soquetes! Um aborrecimento!

Eu cheguei a pensar não lhe dar mais confiança, por despeito, mas ele congeminou com a escola e a carta ao Pai Natal tornou-se um trabalho de casa! Que frete!

E os anos foram passando, com a sorte de ter um amigo que de tudo tinha, comprado pelos pais - menos o chorão - legos, comboios, carros que se conduziam realmente, toda faiança de uma casa, brinquedos a perder de vista e ele, simpático, partilhava tudo! 

Até que algo diferente aconteceu um ano depois do 25 de abril: começou a festa dos trabalhadores, com espetáculo como era já costume de antanho, mas agora acrescido com prendas especiais para todos até à minha idade mais um ano, e assim, por duas vezes, houve mesmo um menino Jesus simpático nascido da revolução dos cravos!

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