Saudades de Alexandria

*Ah, aquele lugar, no tempo anterior à Segunda Grande Guerra!*
Saudades absurdas de ti Alexandria! Vim de navio, aproveitei uma linha especial de verão com a desculpa de poder estar perto de Durrell na inauguração da livraria francesa L' Hirondelle e com sorte revejo alguns dos meus conhecidos.
Apanho o elétrico na avenida e delicio-me com as vistas da janela - ai que sensação poderosa, química -, ver esta azáfama cosmopolita do lugar do coração. Não amo mais nenhum com esta intensidade. É uma pertença mútua. Sinto-me em casa!
O chiar dos freios nos carris é a abertura de uma qualquer ópera por criar. Senta-se ao meu lado uma beldade exótica, longos cabelos negros espelhados, com um peso de molde caído nos ombros, revelando um ziguezague nas frestas das mechas angulosas, os lábios carnudos de África, a luz sombria do khol nos olhos penetrantes, com o arrebitado traço de uma árabe ou talvez seja judia. Perfumada! Um encanto que me faz esquecer de assinalar na campainha a saída, mas eis que é ainda possível! Nem lancei um olhar de despedida. Que vergonha, vai lembrar-se de mim abalroando o árabe com o açaime de camelo na mão, em que tropeço. Enfim! Já a salvo na rua, abrigo-me do lado da sombra generosa a esta hora da tarde, e desço pelo passeio de pequena inclinação de novo assoberbado por emoções reconhecíveis, os aromas de mirra e cardamomo, os cheiros primevos de animais também - que os cavalos e os camelos por aqui passam, com os soberbos amos montados exibindo manobras artísticas. Lembrei-me da quinta dos meus amigos coptas. Quero voltar lá, mas agora foco-me nos número das portas e nos letreiros L' Hirondelle. Confirmo mentalmente! Cá estamos! Ajeito o laço, apesar da roupa leve de algodão branco, até dos sapatos arejados e claros e entro cumprimentando na generalidade os convivas, uns em pé em torno da mesa de apresentação outros sentados em mesinhas redondas com bebidas em copos generosos. Saudades de arak. Há um lugar ali além. Não reconheço nem sou reconhecido por ninguém, já nem me lembro porquê, mas interessa?! Sento-me na cadeira de palhinha com almofada de padrão islâmico e sorrio em volta recolhendo o troco, noutros casos aguardo pelo resultado do investimento afetuoso. Pretendo estabelecer aqui alguns contactos de simpática amizade por estes dias!
Vêm finalmente servir-me, como sugeri, um arak. Pergunto quem está no centro da roda compacta de gente levantada a falar animadamente e diz-me o empregado judeu que é o senhor do consulado, Mr. Durrell . Agito-me na cadeira com impaciência. Terei de criar a oportunidade para, pelo menos, um autógrafo. Finalmente todos se sentam e o senhor do consulado inicia a sua apresentação, um pequeno ensaio sobre a estratégia colonial de Inglaterra para a Índia e depois o proprietário da livraria encerra os discursos com apelos estéticos que me pareceram ligeiramente imperialistas, mas já se sabe - é da época! Depois a fila de pretendentes a autografia e lá fiquei junto de uma família magrebina com toque aristocrático, provavelmente europeizado...mas a minha atenção rapidamente se dirigiu à mesa dos fundos, escondida de mim há pouco com três animados sujeitos, um bastante marcado pela idade e dois mancebos de cada lado, rindo em grande cumplicidade e julguei ver Kavafis e seus amores ali, mas não pude continuar a estudar-lhes os movimentos porque decidiram sair, ondulantes - provavelmente alcoolizados!
E voltei aos magrebinos, com pouco interesse, até a minha vez chegar, troquei breves palavras de apreço com o escritor que não me conhece, nem de mim tem qualquer referência - aceito o tratamento neutro e educadamente agradeço, levando o exemplar comigo! E saio a sorrir, a sorrir pelos poros, absorvo o calor do fim do dia e sequioso sento-me na esplanada mais próxima e planeio o resto do dia!
Já estou acomodado, não longe dali! Sinto um súbito desejo de olhar a baía, com a ilha de Faro ao fundo, a amurada, as gaivotas escarninhas, os afazeres do porto, o traçado em espuma no rasto dos pequenos barcos...
Após o sumo de laranja com canela, ergo-me de um salto com o impulso do desejo, pela baía, mais do que por qualquer mulher, das muitas que se insinuam pelo caminho, à venda ou generosas, ou simplesmente fatais! Quero a baía!

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