A Poeta do Amor Preso

Ela tem fé funda no amor que idolatra e possui uma vila de memórias, húmida, de apenas algumas ruas, com lampiões antigos, janelas modestas em prédios pequenos, uma ou duas árvores com meio século, um jardim com romãs, hibisco, e muitas roseiras de capricho imenso que ela mesma jardina - e creio que se lhe colam ao vestido pedaços de cal quando de madrugada se roça pelas paredes velhas lembrando beijos lambidos que lhe amarelaram os olhos. Nesses dias, invariavelmente, acaba junto ao Tejo, a liquefazer-se de saudade e a capturar para eternidades fotográficas o rio leitoso no amamento dos barcos ensonados, nenhum deles com o seu amante. Ah! esse amante espetral a quem segue o lastro, ao qual envia mensagens em setas de cupido com um veneno tão gostoso de que ele tem saudade real. Esse amante a quem reza, ora em tiros fotográficos, ora em haiku - será a poeta, budista? Não certamente, antes dedicada gueixa em queixume sublime que ecoa nos montes Fuji desta vida líquida. E encanta o secular sexo com amor fundido em esbelto sugerir e pontuar, deixando brechas preenchidas de perfume leve de mulher. É uma honraria para ele e um éter que o acompanha e sossega e desassossega em pulsar, ora brando, ora forte, enquanto come acompanhado, passeia noutro rio e se banha em mares do sul ou em qualquer banda, sem ela, ficcional; com outra, que se zanga, sua, sugere, discorda, enfim, está viva e com quem se secula em amor e sexo e fluxos enebriantes às vezes, o mais do tempo vulgares e seguros, dormindo no seu regaço sonhos promíscuos! E ela, a que se prendeu ao amor fátuo dele, após tê-lo cativo vivo, mas sem destino de pele e outras âncoras, constrói uma gaiola de sedutores parâmetros poéticos e fotográficos, onde quem fica presa é a amante despeitada, abandonada: pode ver, se quiser, os passos hesitantes, e depois certos, com que ele se dissolveu no horizonte das suas manhãs e lhe deixou o cheiro canino pelos recantos da vila onde se queda ela nas madrugadas insanas, pelos bancos de jardim, os chãos do cais, as paredes decadentes ou recuperadas de uma vila que transborda a  maqueta ficcional que a poeta e fotógrafa, tem dela. Os véus da ilusão esvoaçam e esfumam-se, dando ela, de si, todo o gás de que precisam para permanecer fugindo em eflúvios frequentes e breves! E nós, seus leitores, recebemo-los testemunhando tamanha obsessão enredada e bela!

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