Doce-amargo.
Ele subia calmamente a avenida universitária contando não chegar muito atrasado à aula na cave. Ela seguia-o a curta distância, sem entabular conversa, tímida, e contava com o mesmo que ele, mas nem havia faltas.
Ele era um pouco quadrado, baixo, de ombros largos, blazer direito, em tweed, maleta à tiracolo. Às vezes ficava atrás dela nas aulas e, olhando-o de soslaio, via uns olhos grandes de um límpido azul, bem simétricos no rosto lunar, de perfeição DaVinciniana. Ele preferiria dizer: ariana!
Anos mais tarde ouviu-lhe a calma do andar no tom da voz, um ritmo lento de expressão risonha, muito tecnológico nos saberes, com ar de conselheiro de serviço, cheio de boa educação. Nada faria prever as ideias que lhe fervilhavam na cabeça, nem as suas preocupações raciais. Raciais que estendia à classe social: - vêm da aldeia roubar os lugares a que nós (burgueses) temos direito! - revele-se, como ilustração. Dizia-se neonazi, mas ninguém o levava a sério, com aquele sorriso enganador. O encanto era embrulho para a misoginia.
As mulheres, ele classificava-as: as muito boas - medidas ao centímetro -, as de segunda e as outras; isso, pelo corpo, mas havia ainda a conta bancária, essa considerada a mais importante. E assim, casou-se com a rapariga que na sua opinião era de segunda na carne, mas de primeira nas finanças - e estava à mão - , por sinal uma jóia de pessoa. Sortudo que nem Benjamin Disraeli, casado por interesse que acabou apaixonado pela mulher, foi o nosso rapaz, feliz! Hoje pode expressar-se em fação política, mas talvez não lho permita o imenso comodismo e o cansaço dos anos.