Guacimeta.

Ela pousou a bagagem e procurou pelas vistas - à frente, um pequeno logradouro e um naco de mar azul ferrete sobre os telhados; atrás, uns montes a lembrarem peitos maternos, ou então os que desenhava em criança. Uma sugestão naif começou a instalar-se: estava num lugar de tenra idade em tempos da Gaia Terra. 

O quarto do apartamento, com o mesmo nome do local - Guacimeta -, era comum e sem ambição, ainda que confortável, mas viria a ter um divertimento extra: baratas voadoras gigantes. Ela não se importou muito, nem ele! Já as inglesas do quarto ao lado gritavam e riam, em histeria!

Cinco minutos a andar e molhava o pé e o resto na Playa Guacimeta, de areia escura e água bem temperada de cor esmeralda e pousava para uma foto com os cabelos em desalinho espalhados pelo vento, guardada em rolo para revelar depois.

Por toda a ilha, ela sentiu falta de construções em altura, era tudo baixo, mas o desconforto anunciou-se mais sério quando verificou que não havia árvores, apenas pequenos arbustos; nem jardins, só arranjos com pedras vulcânicas. E para cúmulo, eram dispensados os gatos, não havia nenhum, disseram-lhe que era para não exterminarem os pássaros que faziam ninho nos pequenos arbóreos. Já os cães, havia-os nativos, um par no alojamento, bonacheirões e simpáticos, sempre a pedir festas: os cães que levaram os portugueses a dar o nome de Canárias àquelas ilhas.

Penetrando Lanzarote, para o interior, ela pôde ver, primeiro a luta humana para ganhar terreno ao vulcão, com vinhas e figueiras em buracos circundados de pedra negra desfeita em cascalho, cujos agricultores-pedreiros viviam em pequenos vilarejos sonolentos e encalorados, em casas a explodir um intenso branco, com um pezinho ou dois de piteira ao pé da porta, alimento para o parasita conchonilha, que produz tinta vermelha para tingir a roupa. Mais que nos figos, ela ficou a cismar nos pés de videira, ali abrigados e com solo tão rico, que bons hão de ser os vinhos! E avançando mais, chegou ao parque do vulcão Timanfaya, visitável em excursão, com música boa e meditativa. O confortável autocarro driblou curvas, ansiosas por quedas em abismos, e penhas em trançado de lava fria, conquistando tranquilamente a paisagem de grão cada vez mais fino até só restar poeira e alcançou o cume turístico, com seus eflúvios líquidos ou em gás, venenosos ou termais, como queiram! E algum folclore! Pelo caminho, tristes dromedários esfolavam-se a trabalhar para os patetas dos turistas. Ela também era pateta nessa altura. No regresso, sentiu saudades antecipadas da paisagem lunar, que retorcida, filmava com os olhos o mais que podia, as cores lindas da cinza vulcânica, mundos inertes e cheios de potencial de vida, mas num tempo muito superior ao de cada ser humano. Respeito, foi o que se sentiu naquela circunstância.

E César Manrique, com muita arte, mas de modo monopolista, decorou grutas, rotundas e até servicios. Ela viu grutas fenomenais como a Cueva de los Verdes com caranguejos únicos, uma sala de espetáculos, natural, húmida e gutural, piscinas cobertas de acrílico branco assente na pedra escura, com formas irregulares que lhe faziam lembrar as cavacas das Caldas, ou algo orgânico e feminino. O artista usou ferro da ilha, em másculas portas e ferrolhos, e decorou e usou mesmo, como habitação, as cuevas e cones vulcânicos, inexoravelmente fêmeas. Captou o arquiteto, ou seria ideia dela?, a origem: o sexo ou o vulcão, e misturou-os intensificando sentidos antigos e arquetípicos.

E do Mirador del Rio (do mar), apreciou as vistas de cortar a respiração para o ilhéu da Graciosa. 

Noutros dias serpenteava a costa e almoçava em pequenos vilarejos com restaurantes quase palafitas onde se comem papas arrugadas, uma entrada de batatas cozidas inteiras com sal ao redor - não é o que parece, é mesmo delicioso com maionese. E depois peixe ou marisco.

E Saramago vivia por ali, na ilha, para os lados de Los Hervideros - tinham-lhe dito -, uma zona costeira rochosa com pedra negra irregular, saída do vulcão cheia de borbulhas de ar? Seria?! E foi dar com um porto comum, onde não  perdeu tempo, adeus Saramago! Boa escolha!

E na capital, Arrecife, ardeu de calor e desespero - era tão desinteressante -, e ela já não sabe porquê, mas passou um tempo na estação das camionetas, que ali se chamam guáguas, como na América Latina; deliciavam-na aqueles vestígios da língua dos Guanches, povo autóctone, prévio a portugueses e espanhóis.

E foi a uma feira, igual às portuguesas, excepto pela quantidade de marroquinos - pudera, a cidade de Agadir é bem perto! E lá, vaidosa, comprou belos colares em pedra verde clara, muito difícil de encontrar em Portugal. E o geólogo de serviço identificou-a como olivina.

Pôde ver um jardim-museu de catos, e apercebeu-se que a ilha tinha uma zona da Costa muito ventosa aproveitada para desportos de vento.

E, claro, para seguir o menu turístico, no oeste, apreciou a ilha irmã Fuerteventura e procurou pela Playa del Papagayo e até se julgou perdida num deserto imenso de terras soltas cor de camelo, até que chegou, já tarde, a uma enseada em leque, de belas cores de namoro entre mar e areia e tirou uma foto comemorativa, a partir dos calhaus que entalavam a prainha ao fundo. E voltou à quieta Guacimeta, terra pequena, que pertence a Puerto del Carmen, local cheio de ingleses, na altura, descaracterizado, barulhento, igual a tantos outros.

E a viagem, aquela viagem, foi de sonho. Tentou repeti-la, mas foi diferente, aliás é muito raro não o ser, porque cada viagem é dona de emoções únicas, memórias com significados e ressignificação posterior. Isso, os cursos de turismo talvez não ensinem!





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