O Casal



Ela estava a olhar para a foto do casal. Ele, muito mais novo do que agora, como se tivesse entretanto dobrado o cabo da idade dura. Ainda assim, compacto, com fácies de árabe aloirado - talvez com brancos a Petróleo Olex. Ela, de figura esbelta, resplandecia num sorriso de fim de cigarro, e, sobretudo, no V do decote generoso, onde era impossível não reter o olhar no trabalho de um cirurgião plástico. E os dois eram legendados como sendo os gestores do novo restaurante de praia fluvial, no jornal digital da autarquia. E ainda lá estão no Google, apesar da vida ter dado o pino, no caso dele, e no dela, um mortal. Outras histórias!

O homenzinho quadrado, hoje mais calvo, compõe o penacho à frequência do tique de uma garota afetada pela franja, um maneirismo que irrita a interlocutora - olhe lá, corte, rape, deixe-se de gato escondido com o rabo de fora - que não diria nada daquilo, continuava a ouvi-lo contar a história: a mulher esbaforida, sentada em cima da grande arca cheia de arte tribal africana e tapetes orientais, que ele, o quadradinho - e minúsculo- mandara fazer, pois o finado sogro, juiz e professor doutor, atrapalhava-se na logística, e ela exorbitada, histriónica, negava a partilha dos bens de herança com ele, que vinha cobrar dívidas de uma casa no Estoril de cinco assoalhadas, com tudo pago para ela, três filhos e dois cães, e agora deformada e gorda, nem já dormiam juntos, acusava-o de ter gozado a vida com negras de São Tomé, de onde fulgiram os euros do hotel que geria até à conta comum na banca em Portugal. E furibunda, arrancava o fio do telefone fixo e atirava ao rio os telemóveis, para que o assunto ficasse ali, entre eles e, basicamente, ele partisse.

Partiu, foi à sua vida.

Ela ainda foi vista num anúncio para tomar conta de idosos no Algarve, exibindo o glorioso decote em vestido rosa magenta, aos folhos. Argumentava que sentia uma especial vocação para esse trabalho. Não se sabe o que aconteceu, mas o homem pequeno recebeu um telefonema do tio da ex a informar que se fizera defunta, em Macau. Ele ignora como, mas também escapou por um triz a um acidente quando o carro capotou no regresso do Santuário de Fátima.
Agora procura senhora sensível e inteligente, para indulgências domésticas num embrulho de doce amor! Não se importa de financiar a recomposição do seu busto, se a vida financeira lhe correr, outra vez, de feição.

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