O real.
É, eles cantarolam nos seus afazeres de férias, limpam a garagem bem exposta à luz, são uma família musical. Lá longe, mas o vento traz, uma azáfama com vozes de todas as idades, dizem-me que estão a apanhar pêras, as Rocha, que se industrializaram no local, e lembro de um dia por ano ter feito o mesmo. Uma aprendizagem para a vida, resistir e acomodar estilos de vida diferentes e firmados, onde o meu pouco ou nada contava, era eu que tinha de me adaptar.
De resto, o dia resolveu brilhar e aquecer, esquecendo as névoas e capacetes que entristessem. Pontilham o meu horizonte árvores diversas, sem exploração, princesas da paisagem, mas mais a cima, rente ao horizonte, campos penteados de eucaliptos, escravos, e uns salpicos brancos, lares de alguém. E se quiser ver, há um baile de moscas, a aproveitar o frescor, geómetras que calculam o centro da sombra. Ainda agora uma viajante barulhenta me cumprimentou raspando o ar junto ao ouvido, mas levou o meu protesto. As cadelas visitam-me de vez em quando e depois vão descansar o tédio para outros cantos em torno da casa. Os ruídos têm um fundo de silêncio onde se pode respirar em profundidade, e os passarinhos foram cantar noutros lugares. Só as vozes dos apanhadores vão singrando, espaço fora, penso que se afastam. Raspa uma corrente e tilinta ferro contra ferro, acordou agora com a brisa, para afastar os javalis, dizem, nostálgica como um moinho; gemem um pouco as árvores com o vento circular, mas são beijos e afagos. Penso assim, que a emoção abranda a ferocidade. Afinal os apanhadores de pêra Rocha, homens e mulheres, crianças também, estão no mesmo lugar, é o vento que distribui o seu farfalhar. É o real. Sem filosofias complexas. É isto. Aqui. Agora. Plim!
O real é uma sensação, se pensada, desmaterializa-se. O real é o que pouco importa se não estar com o que se é agora, com o que agora é. Tudo falso, real é uma crença como a fiação