Aquelas Mulheres de Portugal

Aquelas mulheres de Portugal, que eram as nossas avós nos anos sessenta e setenta e viviam na aldeia, tinham uma fibra de se lhes tirar o chapéu: tisnadas e calejadas pela vida, possuíam uma figura de que guardamos memória. 

Usavam lenço na cabeça em cores sóbrias, o cabelo perfeitamente acachapado e algumas mantinham-no escuro ou madeixado, talvez porque não fossem tão idosas assim, mas chamavam-se velhas a si mesmas e eram as "Ti" qualquer coisa - nomes antigos e deliciosos como as suas comidas.

Os olhinhos iam ficando pequenos e baços, com auréolas amareladas por lente e encolhiam para dentro das órbitas enrugando as pálpebras em círculos. E depois, as marcas do riso ou do espanto distribuíam-se-lhes nos pés-de-galinha dos olhos ou no til em bis da testa. Os tiles, como acentuação do longo histórico de pareceres já dados, a pedido ou espontâneos e os pés de galinha como vingança daquelas a quem dobraram o pescoço e enviaram para o lado de lá, garantindo o sustento da família e mais tarde o deleite dos netos - peito ou perna no forno, com arroz pincelado de ovo, um cheirinho e um sabor sem repetição.

E as avós não eram garçonnes, o seu cabelo crescera com elas até ao infinito, fazendo um biquinho na ponta da cabeleira, a enfraquecer. Raramente tínhamos a honra de ver esse graal que carregavam com a história da sua vida, tanto lhes era íntimo, o cabelo, e ficávamos deleitados  a ver o pente correr cima a baixo e as mãos a enrolar um toutiço domesticado; um pouco de brilhantina para ajudar e lá estavam elas prontas para se apresentar ao Mundo! E nós seguíamos o ritual sem distração. Apreciávamos os pentes de osso ou marfim, os ganchos de plástico a imitar âmbar, as travessas dos mesmos materiais.

E o avental e a restante roupa sempre em cor discreta - que as mães delas vestiam de negro, senhores! - e elas já se permitiam um florido minúsculo, azulinho, verde ou castanho escuros, nada de cores aparentadas com o sol - vermelhos ou amarelos -, por serem indiscretas e não servirem para os lutos tão comuns: muitos filhos que se iam cedo, muito velhos - hoje considerados ainda jovens - muita morte, e elas prevenidas sempre de escuro, mas a aliviar o tom para a próxima geração explodir de cor, encurtar a saia e levantá-la com a roda do franzido, do plissado ou do godés, enquanto dança a beatlada e companhia, com muita depravação aos seus olhares quietos e pesados, endurecendo-lhes a língua e o reparo.

A força que tinham com que acartavam pesados fardos: bilhas de água, sacas de linho com farinha, sacolas de serapilheira e plásticos quando os começou a haver - era fenomenal!

Poços de sensatez, mas também de crítica aos filhos, em particular às filhas – pois era de sua responsabilidade prepará-las  para o casamento e a maternidade - faziam-lhes o enxoval e rezavam para que não as enxovalhassem na aldeia e arredores. Para bem encaminhar as meninas, levavam-nas aos bailes de arranjar namoro, que depois vigiavam de muito perto - mesmo sabendo da ineficácia do recato, convinha salvar a aparência. E os bebés apareciam lestos, antes ou depois do casamento e as avós, muito orgulhosas, ajudavam no que podiam: tranquilamente se fossem mães das mulheres ou em desafio se lhes fossem sogras: tradições com exceções, claro!


Mensagens populares deste blogue

Madressilva

O Belo

Fragmentos