Dias de Costura na Menina Antónia

Linhas em carrinhos, carretos da máquina Singer; alinhavar, chulear, cerzir, ponto atrás, remates, na fazenda, chita, jérsei, seda ou sarja, às vezes até cambraia, musseline ou organdi; as saias em godés, em plissado, com prega ou macho, travadas ou evasé.


A menina Antónia fica à janela do rés-do-chão de sua casa, de onde emana as orientações - que ela assumiu a chefia da equipa -, e, na rua, rente à janela, sentadas em pequeníssimos bancos rasos e duros, assentam as mulheres as saias travadas de onde revelam as pernas torneadas que esmorecem nos chinelos com grossos dedos e unhas largas exclamando nudez vigorosa.

As linhas dos alinhavos desmanchados são dependuradas no ombro; os dentes cortam os nós; a língua lambe o dedo para fazer outros, num faz e desmancha marcado pela saliva construtora e pelos caninos tesoura. A visão ótima das mulheres jovens guia a mão certeira com a ponta da linha lambida na passagem estreita do buraco da agulha. Agulhas com cus: grandes ou pequenos, e elas a escolhê-los com mestria! Cuidados mil: já se ouvira falar de uma perdida na cama, na cadeira, no chão - uma desgraça -, enfiou-se por ali dentro.

Mangas de balão prá filha, um orgulho! Lacinhos de fita de veludo ou de seda, um peitilho aos favos, aplicações de florinhas, colchetes, presilhas, molas; pregar botões a direito, ou em linha cruzada, o buraco a casear, a engenharia dos nós de remate...

Os restinhos de tecidos fazem milagres para as fitas de cabelo da moda! E de vez em quando, arrisca-se um molde de casaco, ou uma costura mais elaborada, que elas se orgulham de mostrar: "este fui eu que fiz" - e nem se queixam do tempo que lhes rouba o feito, nem dos desmanchos da tentativa-erro.

Trabalham a tempo inteiro as mães-esposas-mulheres-trabalhadoras e domésticas dos anos sessenta e setenta. Jovens ainda, nos trintas, e uma carga de responsabilidade total sobre os ombros: não têm qualquer necessidade que seja só delas. E dão uma orientação ao filho que brinca ali perto e logo se refocam lestas na conversa repenicada sobre a vida comunitária, interrompida por ordens, sugestões e orientações do trabalho de costura pela menina Antónia.

Nas conversas fluidas, de encher o tempo, uma palavra muito ouvida é a de "marido". "o meu marido isto, o meu marido aquilo!". Naquela altura particular, as mulheres ainda não "vendem" os filhos, mas sim os maridos....às vezes atrelados a sogras de quem se diz o sofrível, sem grande detalhe. Os maridos são o seu orgulho e emblema!

As mulheres usam meias-palavras, talvez porque os garotos - e nunca se sabe mais quem -, rondam por ali; cautelosas, mantêm um entendimento tácito entre si. Até porque são estranhas umas para as outras, cada uma vem de sua terra de origem, onde se conheciam bem as regras comuns, mas não ali, que ainda constroem comunidade: há alguma cautela e pudor.

Os filhos brincam, tranquilamente. Às vezes desviam-se e alargam o campo de ação: "mãe, vou ter com a Paula", e basta; o "não venhas tarde" delas, também chega.

E colar sapatinhos e cintos, cabelos, pregar rendas e alinhavar e fazer outros pontos com nomes bem conhecidos das mulheres; enxotar as moscas; ai o calor! - uma limonada fresquinha quem quer? - que a sede aguentam-na enquanto puderem, e só um raro xixi as faz entrar em bicos de pés na casa da menina Antónia. E o resto do trabalho de costura e artesanato, fazem-no em casa, com a ajuda da sogra, às vezes das filhas, se se ajeitarem, até ter que fazer o jantar para todos e para o marido, especialmente à hora necessária para o venerado.

Em dias raros, fazem a mise, com a sogra a resmungar entredentes, ou uma saia e uma blusa para si mesmas. Nos dias da lavagem da roupa, é para esquecer: a azáfama é tanta, os químicos, as fases, o vigiar do tempo e do clima. Nesse dia, não se pode costurar. E ainda, sem falhar, há a organização precisa dos tempos da escola dos filhos: ir levar, ir buscar, combinar com as vizinhas essa tarefa, comprar os livros, os materiais, em lojas especializadas e distantes, algo para que não estão, estas mulheres, preparadas, mas que desempenham na perfeição, articulando com os professores e apoiando-se mutuamente. São assim, as mulheres dos anos sessenta e setenta que vêm das aldeias para as grandes cidades e "mãe" é a palavra que mais ouvem, na sua disponibilidade total!

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