Um Jogo Real
Um Jogo Real
novembro 01, 2021
Os jogos reais (Real Games) servem para ensaiar competências e foram iniciados nos Estados Unidos da América no treino para a guerra. Porém, o seu potencial é enorme, e a gamificação alastra pelas atividades humanas, usando e abusando dos mais básicos mecanismos de sobrevivência humanos e da tradicional ignorância que deles temos. Não se trata de verdadeira ignorância, mas da necessidade da sua ocultação na sombra do pensamento e da autoconsciência, porque nega muito do que aprendemos e do que fomos educados para acreditar.
Mas este é um parco enquadramento, não é um ensaio sobre o comportamento humano: uma pequena estória apenas, vivida algures, ontem, hoje e amanhã, por aí, pelo mundo. Procurai nas salas de espera dos aeroportos e nas selfies das redes sociais!
Heminssen era um homem extrovertido, o seu trabalho permitia-lhe e exigia-lhe muitas viagens dentro do país. No entanto, a Noruega é difícil para os humanos naquela fase sem luz, e quanto mais para Norte, pior. Ora um nativo está habituado a este contratempo e assegura-se do aporte vitamínico e da diversão noturna nas cidades, mas quando opta por viver num fiorde, a setenta quilómetros da pequena urbe mais próxima, a situação começa a ficar problemática.
As redes sociais e o telemóveis permitem mitigar essa solidão, mas alguns humanos de países ricos e desenvolvidos resolveram inventar outras formas de retirar da vida, a sua nata!
Trata-se de O Jogo do Amor. É iniciado nas redes sociais, com ganhos subtis, nunca deixando a mulher desconfiar. Primeiro simpatia, abertura da sua vida, com filmagens do que faz, registando em som o nome da mulher em causa, para não parecer vídeo de distribuição massiva e realmente não o é. Há um franco investimento naquela pessoa durante um tempo. Depois, a necessidade de se conhecerem e o jogador oferece metade do preço da viagem até sua casa ou encontram-se na dela, sempre no estrangeiro mais solarengo, idealmente sul da Europa - nada de África, Ásia, nada de russas ou outras de Leste, consideradas interesseiras. A mulher tem de ter autonomia financeira e disponibilidade para viagens turísticas.
Os amigos vão seguindo a história de amor, fazendo as apostas, e , com sorte, o jogador tem uma parte das despesas garantidas pelo próprio jogo. Compromete-se a partilhar os desenvolvimentos, fotos discretas e alguma mensagem mais romântica ou engraçada em grupos privados da Net. Os membros do clube, nas suas vidas monótonas, acabam assim por se divertir de forma outorgada, à custa dos mais sedutores que conseguem ser protagonistas dos jogos.
Heminssen conhece já perfeitamente as principais cidades do sul da Europa, seus recantos, restaurantes e paisagens. Evita as zonas de montanha, ou de natureza mais selvagem, porque isso é o que ele tem durante todo o ano: o paraíso.
É um um jogo simples e que lhe parece justo. Claro que as mulheres derretem-se de amores e eles a rir delas; o protagonista, às vezes, aguenta a inveja dos financiadores, mas ele tem outros atributos! E chega a ser apresentado à família das mulheres, ao vivo, ou a ir à igreja delas, com gáudio da assistência ávida que tem no clube de amigos, todos fiordinos! É um cozinhado caseiro, entre eles, que não lhes morde a ética.
Quando ele as despede, todos cantarão em coro, a canção que fizeram para o efeito: "STUPID WOMEN" com a música de Pretty Woman, e marcam uma pescaria comemorativa nos lagos assim que aquecer, com tudo pago para o herói, que irá fazer relatos mais pormenorizados das suas façanhas.
Uma vez os olhos de Heminssen encheram-se-lhe de lágrimas com pena da miúda e com saudades, mas o clube decidira: era para acabar, estava a ir perigosamente, longe demais!
E as estórias de amor ficam dispersas com as fotos do homem pelas redes sociais, na companhia íntima de uma ou outra morena; postagens delas cheias de elogios e beijos românticos ao pôr-do-sol, auroras boreais, lagos, montanhas, cidades e praias do sul, intercaladas com as da Europa Central, para desanuviar! É turismo, é amor, é jogo, é sobrevivência à solidão!
Bem vindos ao mundo desenvolvido e global!
novembro 01, 2021
Os jogos reais (Real Games) servem para ensaiar competências e foram iniciados nos Estados Unidos da América no treino para a guerra. Porém, o seu potencial é enorme, e a gamificação alastra pelas atividades humanas, usando e abusando dos mais básicos mecanismos de sobrevivência humanos e da tradicional ignorância que deles temos. Não se trata de verdadeira ignorância, mas da necessidade da sua ocultação na sombra do pensamento e da autoconsciência, porque nega muito do que aprendemos e do que fomos educados para acreditar.
Mas este é um parco enquadramento, não é um ensaio sobre o comportamento humano: uma pequena estória apenas, vivida algures, ontem, hoje e amanhã, por aí, pelo mundo. Procurai nas salas de espera dos aeroportos e nas selfies das redes sociais!
Heminssen era um homem extrovertido, o seu trabalho permitia-lhe e exigia-lhe muitas viagens dentro do país. No entanto, a Noruega é difícil para os humanos naquela fase sem luz, e quanto mais para Norte, pior. Ora um nativo está habituado a este contratempo e assegura-se do aporte vitamínico e da diversão noturna nas cidades, mas quando opta por viver num fiorde, a setenta quilómetros da pequena urbe mais próxima, a situação começa a ficar problemática.
As redes sociais e o telemóveis permitem mitigar essa solidão, mas alguns humanos de países ricos e desenvolvidos resolveram inventar outras formas de retirar da vida, a sua nata!
Heminssen e seus amigos, um pouco aborrecidos porque a Noruega participa com fundos para elevar o padrão de vida dos outros povos, tipicamente os do sul - e tendo sido contra a entrada do país na União Europeia -, costumam ser críticos dos costumes desses povos. "Parecem ciganos", diz Heminssen às namoradas portuguesas. Outra das irritações de Heminssen são os vegans - " essas estupidezes acerca das vacas"-, ou os protetores dos animais que criticam a pesca e a caça, de que ele é fã, ou as mulheres ingénuas à procura de romance em idade madura - ele que se divorciou de uma dona de casa, com arrependimento posterior e que mostrava as feridas quando se tocava no assunto da vida sentimental atual da mulher, ainda que só por especulação. A mulher, a quem pagara uns postiços mamários e seu implante! Uma excelente, mãe - hoje teria apostado mais na manutenção do casamento.
E Heminssen e seus amigos resolveram criar um clube onde tocam música, bebem uns copos e fazem O Jogo. Os jogadores viajam, recebem visitas, namoram, fazem apostas, arranjam troféus das relações e comprovam as suas teorias de que as mulheres são muitas vezes estúpidas, tal como os vegans e os protetores dos animais! Além disso, encontram companhia generosa para turismo em pequenas frações de férias, que os livrem do isolamento dos fiordes e da escuridão do pólo durante metade do ano, ou quase! E, como não fazem mal algum, antes são civilizados, doces, conversadores, nada lhes pode ser apontado, até porque a façanha tem distribuição restrita: é preciso controlar os impulsos das mulheres nas redes sociais e pronto!
Trata-se de O Jogo do Amor. É iniciado nas redes sociais, com ganhos subtis, nunca deixando a mulher desconfiar. Primeiro simpatia, abertura da sua vida, com filmagens do que faz, registando em som o nome da mulher em causa, para não parecer vídeo de distribuição massiva e realmente não o é. Há um franco investimento naquela pessoa durante um tempo. Depois, a necessidade de se conhecerem e o jogador oferece metade do preço da viagem até sua casa ou encontram-se na dela, sempre no estrangeiro mais solarengo, idealmente sul da Europa - nada de África, Ásia, nada de russas ou outras de Leste, consideradas interesseiras. A mulher tem de ter autonomia financeira e disponibilidade para viagens turísticas.
Os amigos vão seguindo a história de amor, fazendo as apostas, e , com sorte, o jogador tem uma parte das despesas garantidas pelo próprio jogo. Compromete-se a partilhar os desenvolvimentos, fotos discretas e alguma mensagem mais romântica ou engraçada em grupos privados da Net. Os membros do clube, nas suas vidas monótonas, acabam assim por se divertir de forma outorgada, à custa dos mais sedutores que conseguem ser protagonistas dos jogos.
Heminssen conhece já perfeitamente as principais cidades do sul da Europa, seus recantos, restaurantes e paisagens. Evita as zonas de montanha, ou de natureza mais selvagem, porque isso é o que ele tem durante todo o ano: o paraíso.
É um um jogo simples e que lhe parece justo. Claro que as mulheres derretem-se de amores e eles a rir delas; o protagonista, às vezes, aguenta a inveja dos financiadores, mas ele tem outros atributos! E chega a ser apresentado à família das mulheres, ao vivo, ou a ir à igreja delas, com gáudio da assistência ávida que tem no clube de amigos, todos fiordinos! É um cozinhado caseiro, entre eles, que não lhes morde a ética.
Quando ele as despede, todos cantarão em coro, a canção que fizeram para o efeito: "STUPID WOMEN" com a música de Pretty Woman, e marcam uma pescaria comemorativa nos lagos assim que aquecer, com tudo pago para o herói, que irá fazer relatos mais pormenorizados das suas façanhas.
Uma vez os olhos de Heminssen encheram-se-lhe de lágrimas com pena da miúda e com saudades, mas o clube decidira: era para acabar, estava a ir perigosamente, longe demais!
E as estórias de amor ficam dispersas com as fotos do homem pelas redes sociais, na companhia íntima de uma ou outra morena; postagens delas cheias de elogios e beijos românticos ao pôr-do-sol, auroras boreais, lagos, montanhas, cidades e praias do sul, intercaladas com as da Europa Central, para desanuviar! É turismo, é amor, é jogo, é sobrevivência à solidão!
Bem vindos ao mundo desenvolvido e global!
Pensaram que a estória era isto?! Não! Na verdade, no caso de Heminssen, as mulheres falam português e o turismo passa forçosamente por Portugal.
A história é bem antiga. Carla tinha dezoito anos, já Heminssen ia nos cinquenta. Ela foi trabalhar para hotéis - sim limpezas, arrumação de quartos -, para viver na Noruega. Pois é, Carla era uma menina da Linha do Estoril, filha de uma médica psiquiatra, que deixou os estudos e a mãe zangada e seguiu para a Noruega, Tromso, para estar perto do namorado, encontrado na Internet, por quem tinha uma enorme paixão. E depois acabou, desempregada é certo, na casa dele num fiorde aonde este a tinha recentemente comprado, ele que era do sul do país.
Mas a solidão tornou-se insuportável com o namorado aos fim-de-semana a sair com os amigos e ela a ficar aborrecida e a sentir-se abandonada lá no fiorde. Para mitigar a solidão frequentava grupos de solidariedade animal e veganismo. Ao cozinhar impunha ao homem uma dieta que ela considerava correta, mas ele era um pescador e não achava graça nenhuma. De zanga em zanga, ela fugiu, regressou a Portugal e anichou-se na garagem transformada em apartamento da vivenda da mãe e foi diagnosticada como Bipolar.
Heminssen ficou destroçado, ainda se deslocou a Portugal para recuperá-la, mas sem êxito. É daí que vem uma obsessão com a língua portuguesa, o turismo em Portugal e a necessidade de companhia, que não aguenta mais que uns meses, às vezes dois a três anos, que o faz sentir, um pouco, a viver com a sua menina. Assim, algumas portuguesas, às vezes brasileiras também, são seduzidas para participar no jogo: ficam admiradas com o conhecimento que o homem tem dos locais, dos hábitos, da língua, e até da política. É uma obsessão por Portugal, o seu amor eterno e impossível, representado por atrizes ingénuas. Era injusto, sabia, mas tratava-as bem, enquanto aguentava! E elas eram muito felizes, como se um grande amor lhes tivesse caído do céu do Norte, até caírem elas, às vezes com estertor, e a saúde mental ameaçada. Mas disso ele já não tomava conhecimento, pois "desamigava-as"; mais, fazia "bloqueio" e elas lá longe, não mais piavam! E o jogo continua!