Desejos de Lagosta
O meu velho ouvia falar de lagosta como de um manjar mítico - eu era de caviar. Para ele, óculos de sol e música clássica faziam parte do mesmo exibicionismo de classe e ele lembrava dia de cães a perseguir os colegas grevistas afoitos, e eu e ele lembrávamos do Marcelo Caetano a falar de certos pescadores de águas turvas e de uns senhores encasacados que diziam muito bem e batiam palmas na televisão, em sincronia, presumo que em tempos fixos. E havia a Lagosta que era tão mítica que o meu velho, que se recusou sempre a ouvir música clássica e a usar óculos de sol e também não teve cão, guardou-se o desejo de Lagosta como último reduto do palácio dos desejos. Andou de avião, fez as viagens que desejou ou lhe impingiram e gostou de todas. Comprou o forninho saloio de pão, plantou as árvores para a industria alimentar, e as exóticas, dobrou-as ao clima e, às vezes, venceu. Pôs os filhos na universidade, antes podia dizer que eram bons alunos! Enfim, realizou-se dentro do possível, menos o desejo de Lagosta. Eu devia ter suposto que ele não o queria realmente realizar, pois se era só chegar à marisqueira e, em vez das gambas ou da sapateira, dizer: lagosta. Não será pelo preço, que ele gemia ao dizer, isso era desculpa. Sempre fez o que entendeu, sem olhar mais do que o necessário ao preço. Então, eu um dia achei que o desejo de provar lagosta não fazia sentido sem umas belas fibras da mesma, a olhar o mar na Foz do Arelho, o cenário ideal.
O que eu fui fazer! Não gostou do sabor! Foi como se tivesse fechado o palácio dos desejos. Ficou irritado!
E eu que não tinha percebido que ele queria mais o desejo do que a concretização!
Aprende Maria!