Jantar a quatro
Disponho as vasilhas de gupza de gengibre, óleo de colza, e wasabi, na mesinha de apoio - aprecio o aroma delicado e exigente! Distribuo os quatro pratos kavakza pela mesa do jantar. Coloco a jarra restaurada, como agora é um must e nela um arranjo frugal e elegante com as linhas da vida e as outras. Na verdade, mandei trazer tudo pronto! Ainda me seguem?! Marco a temperatura do forno. Olho as mensagens e digo, displicente, ao casado, que o amo. Desligo de seguida o telemóvel para me concentrar no modo eco-inside. Avanço no corredor, passo a porta, ligo o jacuzzi, pequeno luxo que me ofereci no ano passado. Esperem. Ponho uns aromas a queimar. Se querem saber, gosto de jasmim e ylang e ylang. Acrescento algo mais, é segredo, e um óleo veicular de amêndoas doces. Essencialmente gosto de sentir que faço coisas antigas e uso óleos com uma certa ascese e rótulos de pureza - essências de extração natural por doutos como o Dr. Fherrenci, da Alemanha -, dão-me o ambiente autêntico e crepuscular que me faz abrandar, desligar circuitos como se pode ver no olhar esgazeado refletido no espelho anti embaciamento da sala de banho deste meu SPA particular. Inspiro os vapores lilases e enfio o kimono negligé para voltar à cozinha, pôr no forno a perninha do... ah não digo, é surpresa. Ele? Ele está a estudar qual a música ambiente e o vinho a colocar e eu não me importo de não o ter aqui a afagar-me os ombros numa massagem com um relaxante emplastro que juntos fizemos segundo instruções rigorosas do mestre kaouri, nosso naturopata e amigo.
Enfim, a sós convosco, de novo na sala de banho - imensa! - oiço o turbilhão do jacuzzi. Acompanhem-me. Entrem. Aqui tenho um horizonte a borbulhar e uma vista alargada sobre Lisboa noturna, pontilhada de estrelas a cintilar ao longe. Como é boa a sensação da água a ferver e de me ater apenas à necessidade de respirar e de vos sorrir! Ah vejam! Devem ser janelinhas, candeeiros, exibições de Natal, fios e colares de luzinhas, que são as ruas e mais longe ainda a ponte guardada pelo Cristo! Que frio bom está lá fora a partir deste vapor terapêutico. Cuidado com as velinhas - não se queimem! Desculpem a interrupção. Ele veio comunicar que vai desligar o forno e terminar a iguaria. Eu nem me importei que não se misturasse na enorme bacia que bufa, arfa, brota e rodopia, engolindo o meu stress imaginário e a vossa presença virtual. A vidraça cento e oitenta graus do salão do meu SPA acaba de me sugerir dois vultos em fade out: são vocês? Compreendo que já não vos possa ouvir, temos vidro triplo, mas não se afastem muito, por favor! e Ele diz sorridente para irmos jantar. Saio a pingar e envolve-me no roupão de cheiro a rosas Aramis, que mandou vir da Sab Quid - de tão longe quanto o seu olhar consegue ir, através de mim, entretanto sorrindo em meu lugar um encanto espantado! Ao longe, as luzes apagam-se por concorrência dos leds que ele abriu, para me ver.
Ligo o telemóvel! Sorrio! Olho para Ele! Sorrio outra vez!
Depois de vários artefactos incrustados no meu corpo, não especificados aqui, e interatos igualmente dispensáveis para esta conversa, eis que chega a hora de me sentar à mesa comprada num antiquário da Sorbonne, onde estão os pratos kavakza e a jarra oriental, os molhinhos dispostos para o jantar e vamos agora saborear a taça de rúpsia ao som da música maravilhosa que ele escolheu para acompanhar, e tudo pronto para, agora sim, vos receber. Viram a mensagem? Há mais dois pratos, contámos convosco. Surpresa! Podeis entrar. Gravámos tudo, para partilhar convosco!