Sobre o Livro "A Ordem"
Na futura saga, de que "A Ordem" é o primeiro volume, três personalidades dão rosto à sociedade global da Terra. Luísa Bósforo, rente à pandemia, conhece Mário Aesth, que por sua vez tinha tido uma relação com Susana Nuvem. Luísa é introduzida numa elite técnica, científica e económica, que cria a disrupção fatal, a singularidade, e convida Mário para participar num conjunto de experiências de instanciação, em que os seus conhecimentos literários são relevantes. Luísa traz para a elite a ex-namorada de Mário, por quem desenvolve admiração e deixa para trás a atual companheira do amigo, Gorgi Lotte, por falta de talento, para a Nova Ordem. Na verdade, ela como o resto da população não escolhida, perecem naturalmente, por morte comum, embora acelerada por doenças virais e guerras.
É criada uma nova organização que vai evoluindo. Mas o Centrório aparece como o decisor político centralizado, logo na origem, usando o máximo de tecnologia possível, em detrimento da decisão humana. A computação quântica, uma nova organização do saber (fusional), a possibilidade de autorreprodução não sexuada e instantânea - a instanciação -, a formação de redes com hardware humano ligado ao processamento quântico, a instalação de software cognitivo-afetivo na aprendizagem por osmose, são apenas alguns exemplos!
O conhecimento evoluiu drasticamente com a rede humana, podendo fazer investigação em tempo real e testagem em amostras virtuais (de humanos).
Ao mesmo tempo, há um boom de produção de robôs, cada vez mais aparentados com os humanos e que acabam a fazer parte da sociedade humana. Para evitar conflitos, a inclusão tornou-se um objetivo de primeira ordem, com o esbatimento das diferenças entre os vários tipos de seres humanos e humanóides: uma língua simplificada e universal foi criada, o Dignitas; as expressões afetivo-sociais foram recodificadas, tal como o modo de alimentação e excreção foram "digitalizados", a sexualidade foi separada do afeto e da relação, entre outros.
A educação tem um papel fundamental. A produção de bens e de conhecimento dispensou os humanos (poucos estão envolvidos), daí que a educação se tornou, essencialmente, a produção de comportamentos e personalidades adaptados às novas realidades: pessoas pacíficas, introvertidas, caseiras, autocontroladas, pouco ambiciosas, despolitizadas, automonitorizadas - sobretudo ao nível do discurso espontâneo diário, porque durante a noite são "trabalhadas" nas suas camas-cápsula, onde recebem tratamento físico e psicológico, após monitorização.
A educação das crianças inclui alguma vigilância também durante o dia, que é feita por bonecos virtuais e por professores a distância e inclui momentos de sociabilidade. Os adultos recebem conhecimento osmótico sempre que o desejem ou seja necessário adquirirem alguma competência funcional para o trabalho, complementada por medicamento personalizado, caso precisem de uma adaptação de características de personalidade.
A população Incon é constituída por humanos e humanóides, indistintos, que passam o tempo em algumas missões para a Ordem, organismo que organiza toda a atividade, incluindo a produção e uso do conhecimento, a educação, e a produção de bens e estruturas. Para além das poucas missões, passam o tempo no simulador doméstico ou a passear na mata no cimo dos edifícios, misturando virtual com real. Por vezes, fazem turismo a ilhas-museu, onde a simulação é teatral, e de novo, se mistura o real e o virtual em temas históricos ou culturais do passado. Já quase não existem animais reais e, algum saudosismo, leva-os a ter, por exemplo, cães virtuais.
A morte foi praticamente vencida. Os suicídios são aceites e até promovidos, dando origem a um aumento da massa de cérebros-consciências como hardware-software para o Centrório. Há obviamente um problema de gestão populacional, com migração para as colónias extraterrestres, uma ocupação otimizada da Terra em altitude e profundidade, quase sem mares, que de qualquer modo estão mortos e venenosos.
O transporte é por teleportagem e Turbão (uma espécie de metro ou comboio de altíssima velocidade), ocasionalmente transportes pessoais físicos; mas o desejo de mobilidade dos humanos e humanóides é reduzida.
Não há propriamente trabalho, e há pouco fluxo de bens, que se faz em grande medida por impressão 3D. A população já não é consumista e tem os desejos (auto)controlados. Não existe capitalismo, nem comércio. Não há dinheiro físico ou virtual, com pequenas exceções.
Vive-se num estado de bem-estar e calma. Quase não há conflitos, confia-se nas instituições. Para além do Centrório, que já não é humano na altura em que acontece a pequena história de A Ordem, existe o Senado, composto de seres da elite primitiva, portanto muitas instâncias de Luísa, Mário e Susana e ainda alguns outros. Talvez ainda exista algum ser-raiz da época inicial da singularidade que tenha escapado à morte. Outros anciãos, designados por Vetustus, vivem entre a população, embora com alguns direitos especiais, como fazer viagens no tempo e prioridades no trabalho para a Ordem. Esta instituição, como já foi dito, organiza toda a atividade humana, pertencendo-lhe a importante Coordenação das Camas-Cápsula, como quem diz, a saúde física e mental, a educação, o controlo dos seres humanos e humanóides, assim como toda a investigação sobre eles.
À população referida - Vetustus e Incon - há que acrescentar um outro povo, os Excon, que veio sobrevivendo à margem da tecnologia, reproduz-se de modo natural e convive com os Incon, socialmente e até no espaço físico.
"A Ordem" lança o leitor para a questão filosófica "no futuro, o que é um ser humano?" e para outras reflexões sobre o papel da educação, do equivalente ao Estado e como exercer o poder e o controlo; não são só os desafios do aumento exponencial do saber e da tecnologia, da robotização, emulação e hibridação das características humanas, mas também as eternas relações entre a norma e o desvio, as Pertenças e os Outros, as relações de inclusão, exclusão e suas colaterais: guetização, exploração, escravização, domesticação, tolerância (em transparência ou humilhação), ou mesmo a extinção do Outro...