Au Martinique
Porcy teve um pesadelo em que lhe roubavam o gato após o namorado insinuar a viagem à ilha francesa. A prima fora lestra a atrai-lo pelo lado hedonista. Iria pelo prazer de ir. De resto...era o resto, o que menos importava!
A prima era o veículo do prazer da viagem! Porcy veria o seu gato ir, de prima!
Cinquenta por cento da percepção de felicidade é genética, os outros cinquenta distribuem-se por fatores do contexto e da personalidade, alguns ligeiramente mutáveis. Então será sobre esses que ela tem de exercer o seu foco libertador. É que não merece a dor, a dor da perda do vínculo primário, a dor dos jograis e dos cátaros, a dor de corno andaluz, a dor das canções e dos poemas a sangrar, nem a dor - muito menos essa - dos obsessivos assassinos! Ah! Não!
Há que treinar a dialética (de si para si) do pensamento racional, encorpar a dor em narrativas e imagéticas de expulsão, falar com cadeiras vazias como Perls, amolecer os excessos em respirações diafragmáticas, mente plena, mente vazia, mente ocupada; telefonar aos amigos, se ainda os tiver; fazer de papagaio new-age; ler, ler romances ou ensaios transcendentes como os da Hannah Arendt, Aaron, e outros que tais. Sentir-se planar, intimar-se com a luz trémula da vela e o aroma ocre do incenso. Calar a voz interior. Cantar.
Que cansaço é lidar com os sentimentos! Que felicidade hão de ter os psicopatas! Ora!
Plantar flores, ter força para sair de casa...ai...a força que falta!
Lá na Martinica, as paisagens magníficas "fazem-se" às fotos e são iguais às da publicidade que levam os seres burguesitos, como burgessos turistas que são, a sentir-se realizados. Fotos daquelas estão por todo o lado. Não são especiais para o seu gato perdido na Martinica, com a prima, a velejar, a velejar, a voar, a perder-se como um balão no céu azul da Martinica, a esvaziar-se, a sumir encalhado em alguma palmeira, ou coqueiro, com as tartarugas indiferentes e todo o marisco que teve a sorte de não lhe calhar no prato fotografado, como se fora especial e raro! Não é! É só uma vulgar viagem de um vulgar casal. Que seja sentida; porque publicada, só por maldade e muita displicência.
Ficaram por lá, nem se sabe deles. As mensagens, se as houver, vão ficar sem ser lidas, abandonadas à sua insignificância. As histórias de viagem, que o gato vai repetir, ficarão em circuito fechado. Perdeu público, um pedacinho insignificante dele: ela!
Nuvens, palmeiras, marisco, balões, mães traidoras, excesso de gordura, imaturidade, impotência...ficam todas por lá ou pelo éter do mundo virtual.
Os jantares míticos continuarão, não importa que não seja com ela.
Cinquenta por cento de infelicidade garantida. Caramba, ela não precisa de mais!