Adeus às coisas

As coisas sobrevivem-nos. Esta é uma ideia chocante! A "minha vida" em contagem decrescente, em convívio com obsoletos objetos, móveis, lápis, a casa, a roupa - tanta coisa que teima em ficar depois de mim! De mim! Eu, que escolhi, trabalhei e adquiri cada uma delas! Eu que as desprezo e relativizo o seu valor: apenas coisas! Elas, em vez de mim, podem ficar! Sinto uma náusea. A descoberta do valor temporal das coisas e de mim, sujeito, choca-me! Não consigo inventar ou esventrar uma ficção que solucione, ou ao menos alivie, esta sensação de iminente perda total! É incrível! É inacreditável e todos os seus sinónimos. Fico perplexa com um lápis que não se gastou nas últimas décadas. Há muitos mais! Há muitas coisas que duram, perduram. Outras expulsei, doei, eliminei - até essas me visitam a memória. Como livrar-me do passado que me ultrapassa no futuro, que durará, que será menos punido pelo tempo?! Consumo muito café: acelera-me o metabolismo. Penso muito! Canso-me! Amo! Tanto, tanto viver ou imaginar a vida, que é potencial cinza sem testemunhos - tudo conversível em todo o devir. Antevejo o cansaço, a exaustão da mente, de todas as mentes, no futuro da sociedade, tão, mas tão, cognitiva e artificial, externa ao cérebro humano das paixões, dos centros de prazer, de aflição, de ódio - a quem interessa se existi?! Lá fora, lá longe no tempo, nem réstia de mim. Coisas indiferentes, recicladas, destruídas, puídas, museológicas, sem a minha grife. Só coisas anónimas. E qualquer uma, pode ficar depois de mim nesse mundo. É por isso que somos espirituais?! É por isso que amamos o virtual e a ficção?! O nosso fim é, simplesmente, inaceitável, desde que cada um de nós se fez vela, luz...cosmos, deus - tudo igual: a boleia para a eternidade. Ah! Vem daí o ódio às coisas, a maledicência ao que é material! Grande concorrente: a mater real! Fora com ela!

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