A Catequese
Ia à catequese, porque sim. Iamos todos. A Cila foi a minha primeira catequista. Era adolescente. Ensinava orações. Quando decorei o Pai Nosso, embora andasse embrulhada com o conteúdo, ganhei um santinho. Fiquei orgulhosa e o meu sentir valorizou o santinho. Comecei a ver-lhe cores bonitas. Cores que raramente via, de pintura religiosa renascentista, provavelmente. Uns castanhos avermelhados, penso recordar. Uma grande nitidez. Um homem de outros tempos, com outros trajes. O rebordo era recortado, o que também era importante. Era uma estampa retangular que mostrei em casa e perguntei o que fazer com ela. Punha no livro de missa. Deveria ter um, mas não me lembro. Já do véu, sim. Era beije, de tule bordado, com rebordos reforçados e ligeiramente curvos. Era novidade estar com a cabeça num véu. Não sabia o que sentir. Mas diziam que tinha de ser, recordando uma série de castigos e penalizações divinas, mas exercidas na terra - isso e se mastigasse a óstia. Esta, mal a provei, duas ou três vezes, bastou. Um pãozinho fino a derreter sobre a língua: era agradável, mas sob ameaça, não! Obrigada!
A entrada na igreja da aldeia não era frequente! As três portas davam que pensar, mas por pouco tempo. Logo vinha a dúvida sobre o que era correto para não perder o bom convívio com Deus. De um dos lados, à entrada, a pia de benzer. Era interessante, antiga. O corredor com uma passadeira vermelha, as duas fileiras de bancos e ajoelhadores.
Na missa, a timidez dos homens com letra pequena, que tiravam o boné e baixavam as orelhas, perante Deus, era um enigma. Já as mulheres, tinham muito melhor convívio com o Senhor. Sabiam tudo o que era correto e quando. Corrijam crianças e desajeitados. Eles, ficavam de preferência lá atrás - podia ser por outras razões, mas sempre achei que era para se pisgarem, sem se dar conta. Pareciam estar em sofrimento atroz, como gatos molhados.
As mulheres não eram todas iguais perante Deus. Havia a dona da igreja - pelo menos assim eu a via - pequenina, vestida de negro, digna e de sorriso piedoso em todos os sentidos - abria a porta, tinha aquela chave gigante, ordenava as flores, preparava as coisas... Depois, à vez, havia mulheres dos arranjos e limpezas, que cuidavam da aparência da igreja. A mobilidade na igreja era condicionada: havia um mapa de permissões. Sempre que passasse ao centro tinha que fingir que me ia ajoelhar e me arrependia e cruzar a mão direita em cruz sobre o rosto e o peito: uma espécie de portagem. Os santos nas laterais e os da frente à esquerda e à direita, mereciam-me uma forte inquisição. Tinha dúvidas sobre a sua transição de boneco material a mediador com Deus. Ousava alguns pedidos, algumas orações, mas desistia. O mais relevante na igreja, para além do mapa das permissões, era o aroma: incenso, cera, óleo de cedro, flores a apodrecer nas jarras, madeira antiga, panos lavados, velas... O aroma era tão específico e intenso que eu acreditava que as pedras da cantaria e das pias também o tinham.
Passar pelo altar era complicado. Nunca sabia se Deus veria com bons olhos que espreitasse as taças, os panos da mesa, a farda bordada do padre, que não sei nomear, que era amarelada. Era sítio de passagem rápida e olhar de soslaio. Mais pagãos, ou pelo menos mais populares, eram os corredores laterais no piso superior. Era aí, num banco ao fundo que a Cila, doce e paciente, nos ensinava a rezar. Eu gostava muito da Cila e sempre a olhei com curiosidade pelos tempos fora: queria-lhe bem e sentia ciúmes por ela ter outras crianças na catequese! Aquela transação da imagem do santo, tinha sido um sucesso vinculativo.
Depois desse ano na terra voltei para os meus pais, em Lisboa e tive outra catequista. Era a Celina. Uma freira que conquistou o meu coração. Era cândida, compassiva, ternurenta. Quis eu ser freira como ela! Fiquei com muita vontade de ser boazinha!
Foram dois anos de catequese. Os meus pais não acharam interessante eu continuar. Não me lembro de ter opinião, mas não fiquei com grande pena, nem de ter aprendido nada de especial com as minhas catequistas, a não ser orar e valorar o Bem!
A história religiosa foi a professora de Moral e Religião do ciclo preparatório que ensinou. Adorei: a história e os métodos da professora: ativos, artísticos...
Mais tarde, já no liceu, uma outra e venturosa professora de Moral e Religião iniciou a minha educação sexual formal, dizendo coisas que muito me espantaram. Também ela era futurista nos métodos, mostrando filmes, slides e organizando debates.
Faço um balanço positivo da educação religiosa, que foi sendo cada vez mais qualificada. Já a versão popular com as suas regras, proibições e castigos não me deixou saudades.