Sem título - porque me esqueci!

Uns anos depois já não te vejo nos sonhos, nem viajo contigo no tempo. Lembras-te de nós em Alexandria? Em Paris? Em Lisboa, no final do século XIX, ou no Aglomerado de Núncio, na Era da Espiral? 

Nem sombra já fazes; não me ocupas espaço, ouves, lês, tocas, influencias; não jogas comigo, trauteias ideias, estimulas oxitocina, nem eu a ti. Não, não sei se ainda respiras... Nem se eu estou realmente viva...

Que não és um nada, também é verdade! Serás um rasto de um esquecimento em avançado estado de decomposição. Nem um bafo se sente! Nenhuma emoção! Nem a ausência é presente. Que estado fátuo te atingiu: uma não-existência; uma voz extinta, difícil de acreditar que viveu. Não tinhas perfume?! Não rias?! Ou rias?! Era quente a tua voz?! Ou fria?! Falavas ou apenas te repetias para a tua audiência interior e me deixavas assistir, bater palmas efusivas e adorar-te?! A tua história era tua, ou uma história contada para pareceres ser o que não foste, és, ou serás? Os teus amigos são-no de facto e não os visitas ou vês?! És um autómato falante, de frases curiosas, breves, cortantes, ah-ahs? 

Eras eu? Enriquecida, vibrante; extensão de mim? Meu fantasma, meu eco, minha invenção, meu recobro, minha reverberação, minha realidade aumentada? Gastaria as palavras para falar e não diria nada! As palavras andam cansadas ou eu delas: abusei-as, pensando que me ouvias, lias, sentias a presença. Ou o invés?! 

Se vives, é nas rotinas dos papéis convencionais; inovas como deve ser; protestas por estilo! Um boneco de companhia, premeditado, audaz, mentiroso; personagem teatral, moralmente invertida: a tua sombra. Vês?! Era uma péssima ideia vagueares na minha imaginação, multiplicadora das tuas facetas curiosas. Éramos uma mistura instável, atómica. Os teus filhos não te abençoariam, nem os teus pais, pela minha companhia. Os teus amigos, que não te vêem, mas se te vissem, não iriam perceber. Não te promovias comigo! Elogios improváveis! Uma vez que ninguém vê essa alma que é a minha, não podias arriscar, por uma alma. Não, depois de tanto compromisso com a persona desenhada com rigor e esquadro, que és. Não podias revelar a substância que nos unia, o fulgor do espírito sem corpo, a ressonância sem produção de bens! Não podias dar-me a mão. Mantê-la apertada. 

Assim, caí demoradamente e a cura do tempo foi perder o estado conhecedor do que aconteceu! Como largar a pele com dor, mas largar a pele! A carne sara e reconstrói a porosidade, a elasticidade, as funções respiratórias, as protetoras também e perde as memórias. É a escrita que mantém ainda o rasto, mas já não me lembro de quê. Lá, a lagarta fez-se em casulo e eu sei das borboletas! Li!

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