Ai que dor! O Duarte

Podia ser o título de uma série. Um psicólogo escolar guarda memórias arrepiantes dos alunos que conheceu! Deviam ser contadas, desmontando e recombinando, ficando anónimas e perdidas no tempo...

O Duarte, nome inventado agora, tinha apenas 15 anos. Ficava alterado nas aulas, em turbilhão emocional; às vezes fugia da escola, saltando a vedação e fazia longos quilómetros a caminhar. Uma vez contorcia-se de dores no peito e chorava. Muitas vezes chorava, mas daquela agarrava-se a si mesmo, na zona do coração, tremia e dava ais. Ficou na maca um tempo, em sala própria, e a psicóloga com ele, fê-lo falar e tentou o relaxamento. O rapaz contou-lhe os flashes que tinha da sua cadela a ser morta à facada pelo padrasto, que era talhante. Imaginam?!

Tomava o cocktail de medicamentos psiquiátricos, tinha a CPCJ, vinha de outra escola, não aguentava estar dentro de uma sala de aula. Mal sabia ler!

A mãe, mulher de aspeto muito estragado, vinha sempre que solicitada. Parecia ter debilidade intelectual; tinha sido vítima de violência doméstica - assunto já tratado em tribunal. Assegurava a medicação, mas perdia de vista o filho, que fugia de casa por longos períodos do dia: ia a pé, quilómetros e quilómetros. Só no dia em que a psicóloga o levou de táxi e ele conhecia locais distantes, ela se apercebeu da suas jornadas. Tinha amigos noutros pontos da cidade - dizia. Imaginem!

A mãe, frágil e estranhamente firme... com sinceridade a expor a dúvida se a filha mais nova, que o pai tinha direito a ter por fins de semana, o tal que matara a cadela, não teria sido abusada sexualmente pelo progenitor; contava as suas diligências, a não confirmação. Imaginem!

Foram ver um colégio. Gostaram, mãe e filho. Ele já vivera num a tempo inteiro, agora seria apenas no horário escolar. A mãe recuperara a sua guarda. Parecia boa mãe. A vida é que não tinha sido boa para ela! 

Há alturas que não temos espaço em nós para compreender a amplitude da dor dos outros! Dor que não se acomoda ou sossega.

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