Miss Mena

A turma do décimo tinha aquela composição: grupinhos, parzinhos, uma certa competição pela nota; uns da Avenida de Roma, outros nem tanto. A Mena tinha penteado à Malvina da telenovela brasileira, embora a franja se franzisse depois de esquecer o alisador. Não tanto quanto as saias rodadas de tecidos florais, num estilo um pouco fora de moda, mas a mãe era costureira. Ninguém se importava com a roupa da Mena, que tinha uma expressão de rosto delicada assente num corpo de mulher - não dera por crescer! Debatia-se sem grande sucesso para arranjar melhores notas - ficava pelo rés-vés; tinha um namorado também alto, um pouco mais velho, que a vinha esperar ao portão, mas de quem fazia mistério. 

Um dia, correu um rumor que, ainda na fase imperceptível, zuniu e varou veloz como uma rajada de vento, fustigando a turma em movimentos de seara: "qualquer coisa, vejam, que estranho" - e mais comentários que de novo se fundiam e texturizavam em zumzuns. Finalmente veio-me parar às mãos a crónica. Li - lemos - e relemos, absorvemos todos os detalhes das fotos. A Mena do penteado à Malvina, que conhecíamos sã como um pêro, num rol de problemas de saúde, no passado, dizia a mãe; "um milagre da força de vontade"- acrescentava. O menu de problemas era extenso, mas incompreensível e mais estranha a conclusão: merecia vir a ser uma miss, rematava o jornalista.

Não percebemos! Devíamos ter pena da Mena ou dar-lhe os parabéns?!  A exposição em tom de vítima feita pela mãe; aquela figura constrangida trajada como sempre a víamos, ali em pose fotográfica, fez alguns colegas sorrirem com malícia. Ela não quis comentar a crónica. Deixou os curiosos penar. Aquele vulto ali na carteira à frente todos os dias, encheu-se de mistério e nós de um sentimento confuso. A saúde da moça passou a ter auscultação, as perguntas recebiam resposta ambígua, mas sempre nos prendava com um sorriso calmo e delicado; a Mena em nada mudou, nem a sua aparente saúde. Mas não lhe falassem da crónica, se não quisessem ver a saia a rodar cingida pelas mãos na cintura e um ar amuado!  

E depois foi cada um para seu destino, no propedêutico. Não demos conta da Mena nos concursos de misses.

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