Clarisse e as Formigas
Clarisse não tinha ficado estampada entre as folhas do livro da primária, a contar formigas. Saira dele pela calada, vindo apreciar o labor das abelhas e aprender sobre os movimentos precisos que lhes permitiam conversar à sua maneira. Às vezes, de papo para o ar, numa clareira, vigiava os bandos de pássaros e os de patos; imaginava outras tantas ligações a constelar na floresta, nos céus e mares, entre os animais, as gentes e suas cidades. E no futuro, quando isso se soubesse?!
Clarisse sentia um impulso para a revelação, mas a ninguém conseguia contar. Às vezes tentava - o quê Clarisse?!, a mim é que...; e não voltariam ao tema. - Clarisse, não me interrompas, deixa-me acabar. Acabar por dar uma desculpa para não ouvir no tempo ditatorialmente destinado à fala de Clarisse. Não havia tempo, oportunidade, vontade de alguém enxamear com Clarisse. Logo ela que tinha umas ideias sobre isso de dançar, fazer bando, pandã, e contagiar tudo! Tingir! Texturizar! E até à distância: Wallace e Darwin e tantos pares - as ideias fora dos corpos, a cirandar por aí prontas a ressoar - e ela sabia. Sistemas fixos, pré-feitos ou ainda novinhos, acabados de criar: do instinto à rede. Mas ninguém ficou a saber pela boca de Clarisse, que de tanta transparência, escolheu permanecer entre as folhas do livro da primária, numa estante saudosista. E assim, foi do nada que surgiu ao Mundo a teoria que enxameava tudo: as amigas de Clarisse, os amigos, os inimigos, os que não deram por ela e todos os outros: animais, plantas, energia, matéria até à menor partícula do átomo - que não sabiam da teoria que Clarisse sabia. E foi por pouco tempo que puderam espantar-se conversando sobre isso: - ai, ui, que vai acontecer agora?! e etc. Já não importava porque naquele momento houve um reforço superior das forças enxameadoras, como pôde sentir cada um em seu posto no sistema que lhe fora destinado. Os livros não seriam mais abertos por humanos; nem ficou ninguém para testemunhar o que lhes aconteceu, incluindo aquele da primária com o desenho de Clarisse espantada com as formigas.