Os balões
As crianças subiam, cada uma em seu balão de hidrogénio; tal como elas, eram coloridos. Umas mais alto ou depressa do que outras e ela lá no meio, plo meio. Olhou para baixo e um cabrito, mais um vitelo, uma ovelha, um gato, olhavam pedintes. Eram os animais já mortos, alguns comidos nas festas recentes; outros, pobre errantes, sem lar humano. Para eles não havia balão de sobra. Percebeu que estava mais próximo desses animais do que de muitas crianças que via subir céu afora. Mas tinha cores. Os animais eram a preto e branco e o pêlo parecia de algodão, apetecível. Lançou a mão para baixo e cambaleou um pouco no ar, os bichinhos deram saltos, mas não se chegaram a tocar. O balão subiu um pouco, depois mais; a menina viu um ponto no monte: a casa da família, o traçado das quintas e terras agrícolas e desistiu de procurar manter os amigos animais sob a vista. O ar era puro e um pouco fresco demais; os balões começaram a soprar ar quente na direção das crianças; várias passaram por ela, ora mais rápidas, ora retardando-se num gozo balanceado. Iam de mãos a abanar, soltas. O tempo passava sem referências que não fosse uma pontinha de fome. Depois, não se lembra como foi parar ao quarto coletivo.
As crianças estavam instaladas em beliches. Tinham balões de fala. Alguns plenos de palavras reluzentes e boa letragem. O dela era mais vazio. Tinha palavras vulgares. Era um balão de menina pobre, com poucos livros. Nos quadradinhos das histórias de cada criança, agora exibidas em cartolinas nas paredes, havia afetos que desconhecia entre adultos e crianças. A sua cartolina tinha desenhos pouco elaborados, pintados a lápis de cor nos pequenos espaços e a lápis de cera nos maiores. Havia imperfeições naturais. Mas a pintura de alguns meninos era perfeitamente homogénea e contornada por lápis firme. "Uau!"- Disse a menina! Nunca tinha visto um desenho tão perfeito, uns balões de fala tão preenchidos por palavras diferentes. Os donos liam-nas com uma espécie de música e formalismo. Também nunca vira nada igual. À noite, ao deitar, um ritual complexo! - esforçou-se por repeti-lo no início do sono, para não se esquecer. Era tudo novo! E acordou!