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A mostrar mensagens de julho, 2020

Pensamentos ociosilly.

A noite foi  dormida aos solavancos: toca o sino da igreja, grasnam as gaivotas. Afinal estás de férias!... Chegas à praia menos cedo que o prometido ao deitar. Seja. Ainda pouca gente. Primeira banhoca. Sossego. Logo vão chegando. Rezas para que os bebés gémeos não fiquem por perto. Ficaram. Esta sustentável. Vão continuando a chegar. " Olhem o Covid; três metros sff..." Decides deixar de seguir quem chega com olhar predador (o teu e o deles) a rastrear a areia. Contagia-te uma certa angústia decisória: põe aqui, é melhor ali, olha o creme, queres que te ponha nas costas, a maré está a subir, está a descer, está fria ou quente - tudo previsto, o maxi silly de praia serve para um debate de perspetivas opostas. Aguentas. Viras o frango... já foste à primeira banhoca, nada mal, ainda não estás satisfeita. Afinal estás quase na alheta, passam por ti às dezenas, sem máscara e sem distância. Aguentas. Pensas, como é bom estares assim, sem ter de fazer conversa idiota, nem contar...

O Amigo de Peniche.

A conhecida expressão que remonta à aliança mal honrada entre Portugal - Inglaterra, também lhe aconteceu a ela, já lá vão umas décadas. Recebeu o amigo em sua casa, com rasgados elogios à sua criatividade, a pedir ajuda: uma peça de teatro infantil, a ser produzida por uma associação com fundos europeus. Pelo meio de boa conversa e um jantar, lá se foram alinhando algumas ideias. Na segunda visita, o amigo pediu-lhe para assumir a criação integral do texto da peça, porque arranjara emprego noutro ponto do país. Ela assim o fez, teve muitas reuniões na dita associação com a presidente, a autora do livro de base, uma conhecida escritora de livros infantis - o diretor de uma companhia de teatro infantil e ouviu falar de um célebre músico português fazer a composição da banda sonora (e o valor milionário que levara). Depois de tudo articulado e da peça escrita, houve lugar ao pagamento. Quando o amigo perguntou quanto cobrou, ficou escandalizado por ser tão barato e instruiu-a para le...

O ciclo de luz

A 30 de março decidiu acabar-se nas trevas. Fechar o nó. Despediu-se do cão, escreveu o bilhete aos filhos e aos pais. A mais ninguém. Dois dias antes soubera do casamento da filha, para abril. Não tinha dinheiro para a prenda. Duas semanas antes convidara a amiga Ana para jantar lá em casa, três antes também. Sem resposta, depois resposta vaga. Em fevereiro não conseguia fazer nada se não dormir e pastar sempre o mesmo documentário que punha na TV, para dar ambiente. Em janeiro pedira conselhos para deixar o medicamento psiquiátrico, detestava-o, limitava-lhe a libido. Queria ler sobre antipsiquiatria. Não, não estava deprimido, felizmente. Voltar ao psicoterapeuta pago pela irmã? Não. Gostara, mas não havia mais nada para fazer com ele. A 31 de dezembro deixara a amiga Ana pendurada na passagem de ano, trocara-a pela amiga Bela, que lhe telefonava todos os dias e com quem tivera um namoro tórrido recente. Mas voltou cedo para casa. Só. A meio de dezembro jantara por várias vezes com ...

O Amor faz Fome, Fred!

A menina tinha uma educação muito pudica, lá pelos finais dos anos 60, inícios dos 70, cheia de moralismos e misteriosas proibições. Mas quando estava de férias, a vizinha, com idade para ser sua avó, emprestava-lhe o Corín Tellado. Ela ia sorvendo o que podia e o resto guardava na memória para um dia mais tarde compreender: foi o caso de uma sequência enigmática, em que um Fred infiel à esposa, estava com uma loira avantajada, envolta em lençóis, que dizia: - "o amor faz fome Fred!" A relação entre lençóis e amor - a primeira coisa a descodificar; amor e fome - a segunda. Quanto aos "lençóis", facilmente lá chegou, mas a "fome", apareceu-lhe a vida inteira como um enigma: nunca lhe fez fome! Pelo contrário! Nesse e noutros amores e paixões, a fome era o que mais depressa desaparecia, perante a transcendência! Havia aqui alguma idiossincrasia: da loira, ou dela! Ou seria do Fred?! Este assunto faz pensar em como evoluímos em educação sexual e na relação e...

As Cidades são Populares.

As cidades devem ter gente e alma. Gente antiga, a sua alma mater. Traça, história e estórias, aromas, memórias. As cidades são passado que se renova progressivamente ou de rompante, geralmente em momentos de crise, como terramotos, ou outras. Uma cidade que se vende lote a lote, importa estranhos em função da situação financeira, expulsa habitantes antigos, torna-se num condomínio privado. É começar a ouvir, a sentir, a cidade a higienizar-se das gentes com alma, gentes dos burburinhos, dos afazeres, das comunidades. Que aborrecimento têm os parvenus e que poder! As cidades que se estripam, se alienam, se põem à venda, são cidades esqueleto adiado! As modas higienizadoras, os carros elétricos, os corredores, as proibições, os transportes alternativos, são só pretextos para calar vozes que reclamem a propriedade popular das cidades! Pois vivam as bikes, os bons ambientes, mas não roubem a cidade de Lisboa ao povo de Lisboa. Querem um condomínio elitista, comprem-no, construam-no de ra...

Ficções Corin Tellado. Ou não!

A vida dá-nos ficções. Ele não a contactava há 18 anos e enviou SMS a perguntar como está, na época covid. Não exatamente. Há 3 anos, ela acometida por um complexo de culpa, telefonara-lhe de rompante, junto ao mar bravio, fustigada por uma nortada fria, de que se protegia com um ponderado casaco, dali mesmo lhe pedira perdão. Pretendia assim remediar a compensação do destino pela abjuração do amor, o castigo possível da vida que, vingativa, não lho dera mais. (re)Viu-o naquele dia na estação de Oeiras, ali mesmo à beira da vida familiar da Rita Blanco, chorara como criança abandonada quando ela o esclareceu que o melhor era acabar a relação amorosa. Mas deixou-o afinal ficar pela casa. Ao fim destas duas décadas mantém o urso dos abraços, que lhe oferecera para amainar as solidões e o arranhar da depressão. E ainda há o livro que enviou uns natais mais tarde, de uma psicóloga, um romance, que se recusou a ler...No escritório há toda uma panóplia de gadgets, ursos, pratinhos com o no...

INTERMUNDOS 4

OMNI5 ~ Seres raiz Luísa tem tido pesadelos: relações que a confundem; deslumbramentos que acabam em vertigens, em quedas de abismos. Estendida sobre a cama-cápsula medita um pouco sobre o significado destes sonhos, afinal também entremeados com o transe dos dias - de vez em quando apanha-se em ruminações românticas como se fosse autora de um romance deceptivo, e às vezes, verte essas monadas da imaginação em pequenos textos, poemas brancos ou histórias - mas isso está a parecer-lhe já cacofónico e despropositado! De onde vem toda esta fantasia? Para que serve? Ela não é escritora, definitivamente! Embora consuma, experimentalmente, um romance por dia, via osmose, e ainda leia uma crónica da rede social de uma querida amiga dotada para a escrita enquanto toma o pequeno almoço tradicional, que mantém na dimensão museu da sua vida. Para uma transição mais suave de estilos de existir, o Centrório permite que cada ser raiz opte por manter aspetos da sua vida anterior, na designada dimen...