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A mostrar mensagens de junho, 2021

Desmarginada - Série Mariana

Sabes Mariana, há quem tenha, como os rios, margens bem delimitadas e curtas, e flua, geralmente, em vales abruptos; outros marginam consoante o caudal ou o humor do terreno, mais ou menos jovial ou carrancudo.  E nas nascentes e olhos de água, os primeiros fios que irão juntar-se depois, podem por enquanto desenhar regos consoante a vontade de brotar que os anima! Nem se vê como margina esta origem, toda ela é difusão e tensão liberta e só depois a gravidade e o relevo combinam o trajeto a dar-lhe, sem ter em consideração qualquer vontade, por certo imatura, do broto. É assim que sou às vezes, como um começo continuo (serás tu?!): vibrante e criadora, sou desmarginada! E noutras, espraio conversas imensas por deltas improváveis, e aí sou ainda, desmarginada! Mas há os que, bem delimitados e em curso estreito, se atiram sofregamente ao mar! Eu não! E tu, Mariana? É no percurso mais longo, quotidiano, funcional, que definimos a tolerância de limites entre nós e os outros, assertivam...

A Partida

Quando ele partiu deixou um vão que se encheu imediatamente de saudade, sugada como água para um buraco na areia... E na beira-mar, ela esperou paciente até a conformação, ou a areia, aplanarem o desnível, pois se até um castelo, ali se deforma. Ficou sentada perto da linha de corte das ondas mais atrevidas com espuma em filigrana, às vezes já suja, e não se importou de estar meia molhada e ser já tarde para secar. Perdeu-se a ver os padrões das ondas a teimar contra o areal. O que querem?! Furá-lo, levá-lo a ceder, só porque sim?! e depois continuarem mais além a mesma tarefa?! Às vezes acalmam e parecem estar em segredos umas com as outras, até que alguma voz se eleve e cresça em força para atacar a areia mais longe ou chegar a Ela na beira menos tangível, ainda assim alcançável?! Outras vezes ergue-se numa zanga tremenda que tudo quer rebentar! Explode em fúria, asperge uma área imensa... Mas não importa! O buraco que ele deixou na areia dela custa-lhe tanto em dor, apesar do seu ta...

Ai a preguiça! .

A vontade molinha a dizer do lado direito: "não faças!" E a outra, do oposto, supostamente contrária, a não dizer nada! E Ela a concordar com ambas, pois quem não fala...!  - "Isso, não faças!" Ai que concordância que se lhe deu, habitualmente tão crítica.  - "Mas não pode ser! Penso que.." , cogita Ela num rumor desmaiado a tropeçar no silêncio comprometedor. - "Não penses", retine a primeira.   E Ela a pedir auxílio a quem quer que seja. - "Falta-me a vontade", queixa-se, lamurienta!  - "Ora ainda bem", diz o diabinho do lado dextro, voluntarioso. (Mas que azar que no cérebro está tudo cruzado e quem ganha em palavrar para o lado da linguagem que manda no autocontrolo da gente, é o malvado!) - "Queres que te faça um desenho?!" e ri, sádico, da impotência do lado esquerdo contrapor para o hemisfério direito que, entretanto, adormeceu ao largo de uma bela piscina de água salgada, no meio do monte alentejano, para os ...

Amores do Quotidiano - Poesia Rude.

Ele, atrapalhado,  deu-lhe um beijo sonoro  na orelha!  Oh, que estrondo azelha!  E envolveu-lhe o ombro num abraço  e acertou na parte dorida.  Ai, a ferida!  Queixou-se ela,  mais dele, do que da mazela! E lançou a maozinha  em cima da mão dela, roubando um afago doméstico.  E ela fincou-lhe um olhar  de tolerância curta.  - Estás retraída!  e ela muda enviou muitos sinais  com trajetos de cadência meteórica.  E ele retirou a mão  e pôs-se a desenhar arcos  de condução  sinfónica,  intercalados  com a conjugação dos dedos da mão  esquerda com os da mão  direita, a sugerir a reconciliação.  E ela aceitou  por ora as escusas,  sendo que registou  no cadastro  que lhe estava a fazer,  os acontecidos... E ele queria já tudo,  com pouca dedicação  e nenhum  comprometimento.  E ela resistia  às tentações,  mais do que às te...

Mariana - Série

Sabes Mariana, porque as mulheres calçam salto agulha?! É para ficarem mais leves e tomarem balanço para voar. É só um ameaço, uma tensão de mola! Estamos sempre a pensar vê-las ejectar num ângulo de quarenta e cinco graus. Quando se deslocam em calçada difícil como a portuguesa, é uma graça vê-las titubear a marcha e puxar o salto preso por azar. E na passerelle, elas mandam um pé para a frente do outro, enérgica e sucessivamente, para  darem uma ideia de pressa e de atividade, já que lhes falta o espaço na passadeira e o motivo: andam só a pavonear-se com expressão de gato, entediadas. "Mas às vezes o salto é sólido e de tacão alto e outras médio ou raso!" - protesta a Mariana. - Digo-te que também é de relevar as unhas! Repara, são ornamentos das pontas das quatro patinhas; assinalam os limites entre elas e quase tudo. Por exemplo, as unhas pintadas, sobre uma folha de papel - nem vês o que está escrito, prende-se-te o olhar nas setas dos dedos, finas; ou a competirem com ...

Ah, o amor?! .

Amor é... lembra os postaizinhos da minha jovem adultícia, fofos, com desenhos simples de um Roberto que o Google não me ajuda a encontrar o apelido, mas me dá outro por alternativa, o Roberto Carlos - obrigada Google! e os postaizinhos do primeiro Roberto, ensaiavam uma resposta plausível na segunda página, que nos deixava emocionados. E lembra também as inconclusões dos poetas em que ele é e não é: o amor não segue a lógica aristotélica. Mais tarde, os ensaios sérios sobre amor e paixão, já com umas certas certezas, que certamente se perderam de novo, não foi Alberto Alberoni?! Nunca foi provado que o amor não possa nascer de uma relação imposta e que não seja uma impostura a predestinação ou a escolha aturada! Os serviços de apoio ao encontrar de um amor, são uma fraude! O amor é para alguns, como Yuval Harari, mais uma ficção, como a religião, ambos destinados a consolidar comunidades e grupos familiares... fundamental para a sobrevivência e progresso humanos! O amor tem muitas ve...

Telma

Telma está rente à única janela que dá para a rua, porque o resto da casa é abraçado por um jardim e pomar - uma conquista que veio com os excelentes ordenados, a venda da casa em Lisboa, e os apoios à parentalidade. Está seminua e sente-se confortável de T-shirt. Revê o termómetro embutido na janela e verifica que estão dez graus lá fora, o mesmo de há meia hora atrás. É outono na Baviera, as crianças estão na escola, o marido a trabalhar e ela de baixa. Olha as duas mãos, brancas e pequenas, sem verniz, unhas rentes mas bem cuidadas. Vai à casa de banho buscar um creme de mãos, cruza o olhar com o dela mesma no espelho e vê-se igual ao dia anterior - na rua, as raras vizinhas, espantam-se com a magreza; perguntam se está doente - "umas coisinhas de nada!", desenrasca num bom alemão. Já cá está há uns bons anos e é inteligente, especialista em sistemas e, sobretudo, muito determinada e persistente. Qual magra?! Saudável! Não perde tempo a explicar que é vegan e cuida de todo...

Os Animais e Nós .

Os animais são idolatrados pelo ser humano! As redes sociais estão cheias de provas de que os animais domésticos ou selvagens são ternurentos e fiéis, esqueceram a predação... E também os apreciamos no prato! Os programas e livros infantis têm predominantemente personagens animais.Num teste psicológico de personalidade, dito projetivo, o pêlo animal relaciona-se com a afetividade, e ver animais nas manchas é muito comum. Mas a relação com os nossos pequenos domésticos, com o seu número a aumentar exponencialmente, o cão e o gato, também é sinónima de solidão, desilusão com outros humanos e, para além de colocar questões de sustentabilidade ambiental, esconde a faceta de posse sobre o Outro. Os domésticos são, de certo modo, os nossos escravos do afeto. Não?! E, os animais são sencientes, seja um gato ou um porquinho bebé - o leitãozinho da Bairrada, ou de outras receitas -, a perninha, o lombinho...tudo de animais, a maioria das vezes com a vida mais miserável do planeta: nascem em cat...

O Homem do Pífaro

O homem chegou e sentou-se nos degraus do pelourinho, no meio da praça medieval! Olhou à sua volta e apreciou os vasos de flores pequenas e coloridas a penderem dos "balcones" de madeira em talhas caprichadas; as casas de pedras retangulares de granito escuro exibem a intimidade húmida nas frestas. Viu a hera da floreira, que está na esquina da praça com a rua Alonso, trepar para sair dali, pelos ares - pensou, mas duvidou. À esquerda, a loja do alfarrabista e ao lado, a das velharias; já por trás e sem olhar, lembra a farmácia, logo seguida da ervanária - não sabe se a Zertolinda ainda lá lança as cartas. Do outro lado, só há portas cerradas, com batentes de chamar, sem uso. Nos andares de cima, em toda a volta - menos nas casas fechadas -, já não sabe se conhece alguém. É onde cuidam das floreiras, talvez mirando a do vizinho para que não seja a mais linda. Faz uma brisa fresca, é fim de tarde de outono, poucos se atrevem a ver o sol partir - fecham-se nas suas casas -, e e...

A Ilha da Zé .

Voltei à ilha da Zé, acompanhada do Tim e dos outros três.  Como eu adorava aquelas aventuras arriscadas, as passagens secretas, os adolescentes e o cão, com capacidade para vencer os adultos malvados! E... para gáudio da minha mãe, abriu-se-me na altura o apetite, mais do que com o óleo de bacalhau em versão simpática: Lipobiase, com sabor a banana (obrigada mãe!). As hormonas podem ter dado uma ajuda, mas os piqueniques dos cinco eram tão sugestivos.... Uma aventura dos cinco era um mergulho fundo na imaginação! Ontem voltei à ilha! Já sabia que ia ser diferente. Mas queria saber quanto. Claro, ela é muitos mais pequena agora e, pior - em vez de ser longe da civilização, fica ali perto da enseada junto ao vilarejo onde vivem os pais da Zé.  Senti-me quase observada enquanto andarilhava pela ilha com os meus amigos - afinal já na altura éramos seis, que eu também por lá andava...Bem, tal como vocês, aposto ... mas não calhámos a encontrar-nos por lá! O túnel, com os contraban...

Histórias para a Mariana

Sabes, Mariana?! aquela língua comprida que alguns homens têm ao pescoço? Às vezes é de seda, outras de imitação dela. Nunca pensaste porque a têm? Ah e nunca é apertada diretamente ao pescoço, precisa de um colarinho. Vê comigo: são umas asas pequeninas e a comprida e afiada língua. É bom de ver! Eles conseguiriam voar, embora voos curtos, com aquele tamanho de asas. Como as galinhas. Talvez. E, com as duas patinhas traseiras ou fazem um V para as fotografias de corpo inteiro, ou então enfiam-nas geminadas por baixo de uma secretária de algum poder ou muito poder, de onde emanam ordens. E nas reuniões sem mesa, cruzam-nas apontando uma ponta estilizada e por vezes brilhante ao interlocutor, oscilante como uma cauda. Ah e Mariana, a língua é porque é isto que eles fazem: usam o verbo muito, muito, na palavra dita ou nas cartas, memorandos ou ordens. Sempre a palavra. É porque voam rasteiro e metem palavras a escorregar como a seda, mas a penetrarem além do seu próprio corpo, o espaço d...

Rethinking love .

O amor entre adultos não é apenas uma questão íntima. Tem consequências na motivação, no ânimo para a vida, na estabilidade emocional, na organização da vida familiar, na vida dos filhos, se dependentes, na saúde mental e na vida social, no trabalho, enfim! Por isso, admira ser tão pudicamente negligenciado nas ciências e serviços sociais. Os adultos precisam refletir e, possivelmente atualizar, o que pensam sobre o amor, as relações íntimas e as sociais delas derivadas. Os sites de encontros existem! As redes sociais comuns também são aproveitadas para promover encontros! O comportamento das pessoas está a mudar! Há que estudar o assunto e agir em conformidade! Há pessoas que parecem acreditar: é agora o grande amor, o ideal!  Tenho observado algumas parelhas de novos amores. Constato que habitualmente há um elemento que divulga proficuamente e o outro cala. Começa logo ali o equívoco. Um assume perante o seu mundo, pais, filhos, alunos, clientes, colegas de trabalho...e o outro m...

Afinal, Já Era - Criminal Profiling

Ah o cheirinho da primavera, as aromáticas do jardim, a madressilva, os canteiros de mimosas. Preferia assim, a viver no centro da cidade. Havia um preço, em tempo e dinheiro, a pagar, mas não se importava. - Hola Javier!  E assim começa mais um dia na rua que não é avenida, felizmente, mas dela beneficia em acessibilidades. - Hoje trago uma bomba, diz o Mota. O caso do suicídio suspeito vai ser aberto... não é esta a bomba!... O homem já está preso por outro assassinato! Ui! Deve ser um psicopata! Mas desta vez fez parceria! E o móbil foi dinheiro, tal como provavelmente para o suicídio! - Ai Mota! Caramba que nem acredito! É dia 1 de abril! Ahaahhahh! - Desengana-te! É mesmo verdade. Infelizmente para as vítimas! Desta vez foi em Sintra. Tinha-se mudado para um palacete! - Ui! Subiu na vida! Deu o golpe do baú com senhora idosa?! (Clara) - Mais imaginativo! Começou uma relação com mulher latino americana, já com nacionalidade portuguesa há muito, e vários filhos, alguns já indepe...

O Tico e Ela

O Tico foi salvo da boca de um cão, ainda em bebé, já depois de outro da ninhada não ter tido essa sorte. A sua protetora foi a mulher a quem gastei o nome de mãe: ó mãe! a torto e a direito! Talvez pelo stress dessa vez, o gato ficou com eterno medo, curiosamente dos humanos, excepto da mãe dele e minha, de quem era tão carente que chegava a aborrecê-la. Fugia de nós, da família, já visitantes, ou mesmo do meu pai que com ele sempre habitara! A mãe, mesmo quando ia perdendo a vontade de cozinhar para si - porque era seu objetivo e prática de vida, dar, fazer para os outros, mimá-los com comida e manutenções várias domésticas-, a mãe, dizia eu, fazia comida humana só para o gato que gostava de guisado e claro, de peixes vários. Ela repetia, sem sentido, que tinha dois receios: ficar dependente dos outros - e pedia que na sua hora a levassem rápido - e que o Tico ficasse, por lá, desamparado. As vezes que lhe fiz o reparo, pois se ela era nova, ainda de sessenta e muitos - e o Tico tinh...

O Suicídio Suspeito - Criminal Profiling

Chovia como se S. Pedro tivesse tirado a tampa ao céu. Era impossível segurar um guarda chuva. Clara optou por fechar o seu e chegar como um pinto ao prediozinho da rua esconsa ali ao lado da grande avenida da capital. O local lembrava um refúgio secreto à rapariga, que dava por si em grandes elucubrações paranóides desde que começara o estágio, mas logo se ria da sua distorção de pensamento. Chegava! O porteiro de bigodes revirados e desatualizados depressa a socorre e lhe oferece um fato macaco que têm das obras. Aconselha-a a vestir dois, um sobre o outro e dar-lhe a roupa que ele iria tratar de a secar - só o Sr. Javier! Na sala de reuniões já está a equipa completa e vestida de fato macaco, - a expressão de Clara, ao entrar, provocou uma risada geral! Ela acena com um sinal pouco sério de desculpas e todos relevaram, inclusivamente o Sr. Mota, o coach. Então, inicia o mestre, já que podemos começar, apresento-vos o desafio de hoje. Temos em arquivo uma denúncia anónima em que se c...

Feriado Doméstico

Hoje é feriado. É meio-dia. Estarás a grelhar um entrecosto. Abres a janela para arejar. E aí vem ela, de voz quente, cheia de tónicas e molhada de is, alertar-te para a corrente de ar. E tu lá tens de explicar e mandar fechar do outro lado. E depois, ai porque entram moscas - terás de ser paciente! Mulheres! Ela e as filhas! Melhor do que com os teus rapazes, caladões, cada um para seu lado. E viras a carne. É a tua função. Já tens apetite, com o cheiro forte do grelhado! Imaginas o acompanhamento de um bom vinho - nisso não te metes - é a especialidade dela! e a sesta que se lhe segue, encostado às suas partes inchadas, à pele. Ris-te para dentro de ti.  E elas põem música da sua terra - e tu dás outra sugestão, mas não ligam e riem muito, desaforadas. E tu nem te importas que de pisem um bocadinho, desde que te possas vingar depois à sesta. E começam o almoço, toalha de pano na mesa, ao som da TV, o vinho explicado com is molhados e tu a pensares noutros molhos. Ris-te, agora al...

Dois Amigos

Manel e Zé faziam dueto: trabalhavam na inspeção judiciária militar, um era generalista e o outro especialista em finança. Faziam parelha divertida em festas e ocupavam os seus tempos livres com projetos comuns. A uma dada altura frequentaram todos os cursos livres da Sociedade de Belas Artes. Quando chegaram à pintura, o Zé exibiu um talento já trabalhado, enquanto o Manel não levava as sessões a sério e fazia umas borradelas. O Manel era extrovertido que mais não poderia ser e um facilitador para o Zé, de elevada desenvoltura intelectual e modos cavalheirescos. Era incontornável o seu berço culto e burguês. Tinha na verdade uma educação de outra época. Ele já ia nos cinquentas e era o mais novo dos irmãos! O Manel era do interior e subira pela via militar, aonde fizera os estudos. Era de certo modo, rude. Mas disfarçava com imenso humor.  Era pretensioso exibindo excessivamente a origem familiar da ex-esposa, ou o dinheiro e bens dos amigos. Tudo era por ele hiperbolizado, não se...

Um Estripador em Lisboa - Criminal Profiling

O prédio ficava disfarçado na pacata rua, perto da avenida arterial da capital. A sala pequena, ainda assim com a dignidade de sala de reuniões, com cadeiras estofadas e estafadas do tempo e do nervosismo habitual dos inspetores. Cheira a tabaco de cachimbo, aromatizado, numa mescla pior por fundo, mas Clara concentra-se na bondade de tudo, orgulhosa que está de ter chegado até ali! - Estamos aqui reunidos para reabrir, com fins pedagógicos, o arquivo do processo já prescrito do Estripador de Lisboa, dizia no papel de coach, o inspetor da PJ. Vocês, como jovens profilers , irão fazer uma chuva de ideias sobre as características físicas e psicológicas do perpetrador do crime! Vou dar-vos um promp : acredita-se que o criminoso agiu sozinho e não repetiu o crime! Daí ter sido tão difícil apanhá-lo. Até agora, impossível mesmo! Clara? - Sr. Mota, pelo tipo de crime, sexual, creio que o motivo estará relacionado com esse tema, mas será de natureza não comportamental por parte da prostituta....

Sinais

Como não o conhecia, restavam-lhe os sinais. Não lia o que ela escrevia, quase de certeza! Desprezava os sinais que ela própria partilhava. Se nem agora, que queria agradar, se esforçava no campo dela, o que haveria a esperar nos tempos de rotina?! E forçava, como se tivesse que ser como lhe convinha, com convites que a ela lhe pareciam quase agressões. De repente, ela para se afirmar, tinha que dizer não e repeti-lo! Ora não havia necessidade de se chegar a esse desconsolo de ouvir um não, nem ao constrangimento de ter que dizê-lo. Mas era assim, e assim se repetia! Paradoxalmente, a cobertura deste bolo comunicacional era doce e até se compunha de bons ingredientes, embora banais. Mas quem disse que o chocolate vulgar não saberia bem com a cereja no topo?!... O problema não estava aí, no conteúdo do convite, mas no seu entalhe brusco nas conversas ainda em flor! E perigoso lhe parecia a projeção que dela fazia! Tirara-lhe uns bons anos e parecia confiante daquela estimativa; a sua ca...

Ribeiro de Pensamentos.

Estou a ouvir os passarinhos. É tão bela a sua música, salpicando um espaço de profundidade variável - conversas trocadas numa aleatoriedade organizada. Eu não faço parte, nem público sou, pois eles ignoram a minha existência e admiração. E é tão banal admirar os pássaros na natureza! E incansável!  Porque enjaulam os pássaros?! Primeiro em cidades, com poucas árvores, onde se acumulam os excessos de piares, talvez aflitos com a falta de lar. Aí o Beto da Avenida queixa-se do ruído, não dos carros, mas dos pássaros descamisados e com falta de abrigo. Depois, ou antes, prendem-nos em gaiolas. Eu não imagino o desgosto de um pássaro engaiolado, as suas lamúrias admiradas por gigantes em ignorância de amor universal. E no entanto, eu que sou rica em pássaros na natureza, sou também quem lhes sente a falta e ressoa o cantar, em calmaria da alma. Falasse eu assim como eles! Recebesse em resposta um eco encantatório dos meus congéneres ou de um amor novo!  As flores e os pássaros ex...

Amizade Revista .

Quando era pequena, tinha um grupo de amigas na vizinhança e outras que visitava afoitando-se estrada afora, que eram colegas de escola. Mas, um pouco mais nova, ficava apenas pelas ruas adjacentes à sua casa, com as amigas vizinhas e da mesma idade. Menos uma: a Branquela. A mãe fazia um trejeito de boquinha para dizer aquela palavra irritante! Toda ela se lambuzava, como se estivesses em idílio alimentar com alguma guloseima de longa duração no palato.  Quando a rapariga perguntou à mãe o porquê - um ano ou dois depois do forró ter começado - da nomeação de "branquela", daquela estranha miúda, esquiva, que não falava nem brincava com ninguém...ela respondeu que ela era carocha e a outra era branquela: era a cor da pele! Enquanto ela se explicava, à mente inquisidora, levantaram-se várias questões: estaria a sua mãe a chamar-lhe de carochinha como na história do João Ratão?!; estaria a desvalorizar-la ao ponto de a comparar às carochas, que eram da família das baratas, porta...

As Sevilhanas

A sala composta. sustem-se a respiração. mulheres em trupe, sem idades. homens procuram lugar - olhares sondam, conspirativos -, excluídos, amontoam-se, com seus bigodes rijos. elas, cinturas cingidas e xailes e argolas e outros pêndulos, acentuam-lhes um não! e mal esperam sussurrando, para gritar: Olé! Faz-se breu e prende-se o olhar numa cascata de panos, no palco, escolhidos pelo foco de luz vermelha, cúmplice da primeira dançarina, que daí surge com lentidão majestosa! arrasta os pés num desafio animal, e logo se desembola em sapateado, como se estivesse em achaque de adrenalina, que de imediato acalma - deixa o aviso do perigo! contenção é pior que desafogo! e mais leve agora, brota o leque e castanholas, roda a saia e logo arrepia o movimento, exigindo grácil e atrevida, controlo de sangue sobre a vítima. e raspa o pé no soalho, como o boi em ameaça! Mostra-se máscula e logo se contradiz em torções femininas, que os pés ficam para trás e já o corpo se revolve para nós, brusco, a...